Folha de S. Paulo


RAPHAEL MIZIARA E ROBERTA DE OLIVEIRA SOUZA

Nova regulamentação da terceirização não trata da quarteirização

Márcia Ribeiro/Folhapress
SERTÃOZINHO, SP, BRASIL, 19-01-2012, 14h30: Sitema de monitoramento de câmaras de segurança na portaria de condomínio em Sertãozinho (SP) (condomínio pediu para não ser identificado).Cidades de menor porte do interior já contam com sistema de segurança em condomínios de luxo do porte da capital, como reclusas de contenção de veículos (gaiolas), cerca elétrica e monitoramento de empresa de segurança terceirizada. (Foto: Márcia Ribeiro/ Folhapress, REGIONAIS)
Sistema de monitoramento na portaria de condomínio no interior de São Paulo

Originalmente, a terceirização foi idealizada como mecanismo de dispersão da atividade meio para outras empresas especializadas na prestação desses serviços, tais como os de vigilância, conservação e limpeza, a fim de que o empresário pudesse se concentrar em sua vocação institucional.

Contudo, na década de 1990, com o liberalismo, essa forma de intermediação de mão de obra ganhou novos contornos, de modo a precarizar a prestação de serviços em detrimento de reestruturá-la, razão pela qual o Tribunal Superior do Trabalhou editou a súmula 331, em 1993, limitando a licitude da intermediação de mão de obra à atividade meio e aos serviços de vigilância, conservação e limpeza e trabalho temporário.

Recentemente, a Lei 13.429, de 31 de março de 2017, alterou a redação da Lei 6.019/74 para incluir dispositivos que tratam especificamente sobre a terceirização, de modo a ampliar seu âmbito de aplicação em detrimento do que o TST havia estabelecido.

Nesse sentido, dispôs o art. 4º-A da alterada Lei 6.019/74 que a empresa terceirizada, prestadora dos serviços, é a pessoa jurídica de direito privado destinada a prestar à contratante "serviços determinados e específicos", dando a entender que pouco importa se a atividade é finalística ou instrumental, de modo a flexibilizar o entendimento jurisprudencial da Corte Especializada.

Nada obstante, como a interpretação da expressão "serviços determinados e específicos" começou a gerar controvérsia doutrinária e jurisprudencial sobre o seu real significado, insinuando uma diretriz protetiva em relação ao trabalhador, o legislador entendeu por bem, na reforma trabalhista (Lei 13.467), novamente modificar o mesmo artigo para fazer constar, expressamente, a possibilidade de terceirização na atividade principal da tomadora dos serviços.

Indo além, o seu §1º admitiu a terceirização em cadeia, que corresponde à subcontratação de uma terceirizada por outra terceirizada e assim por diante, em um ciclo de precarização infinito (porque múltiplas pessoas jurídicas de direito privado lucram no processo a partir da sonegação das melhorias nas condições sociais dos empregados). Definitivamente, a Lei 6.019/74 não cuida expressamente de quarteirização, como se tem dito. Isso porque quarteirizar é, simplesmente, delegar a gestão dos contratos de terceirização e não subcontratar.

Assim, o conceito de terceirização em cadeia vem sendo confundido com o de quarteirização, que, ao contrário da subcontratação consiste, na verdade, na gestão administrativa de contratos terceirizados, comumente chamada de "facilities management", conceito advindo da carreira de administração.

A modalidade de terceirização adotada pelo Brasil, portanto, não é a reestruturante, mas sim a predatória, cujos efeitos são, em síntese, a pulverização da organização sindical, com consequente prejuízo ao exercício do direito de greve e da autonomia da vontade coletiva, o desrespeito à isonomia salarial entre os terceirizados e os empregados da tomadora dos serviços, a instabilidade espacial, que acaba por dificultar a implementação de medidas de saúde e segurança nos locais de prestação de serviços, já que há trânsito de mão de obra perante vários tomadores.

RAPHAEL MIZIARA, advogado, é professor e mestrando em Direito do Trabalho
ROBERTA DE OLIVEIRA SOUZA, advogada especialista em Direito e Processo do Trabalho, é pós graduanda em Direito Público

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