Folha de S. Paulo


editorial

Mais um retrocesso

Apu Gomes - 22.jan.2013/Folhapress
AMERICANA, SP, BRASIL, 22-01-2013, 10h00: BOLIVIANOS EM TRABALHO ESCRAVO. Fiscal do Ministerio do Trabalho observa criancas, filhos do dono da confeccao, o boliviano Gabriel Mifflia Alanes LLusco Policiais Federais em fiscalizacao do Ministerio Publico do Trabalho de Campinas, que recebeu denuncias da Policia Federal sobre uso de trabalho degradante de mao de obra boliviana em uma oficina de tecelagem de Americana, a 126kms de Sao Paulo. (Foto: Apu Gomes/Folhapress, Mercado ) *** EXCLUSIVO***
Fiscal do Ministério do Trabalho em oficina de costura em São Paulo

Com índices de aprovação que mal superam um resíduo estatístico, o presidente Michel Temer (PMDB) sobrevive no posto com alguma ajuda da economia, devido à proximidade do fim do mandato e, em boa parte, porque nenhuma força política relevante tem real interesse em sua derrubada.

Na combalida oposição liderada pelo PT, destituída de propostas e de líderes sem pendências com a Justiça, a possibilidade de atacar um governo rejeitado por 73% dos brasileiros se mostra alternativa das mais convenientes.

Entre os partidos fisiológicos e os grupos de interesse que compõem a maior fatia da coalização governista, um Executivo enfraquecido fornece oportunidades para o avanço de lobbies diversos.

Nesse cenário, são notáveis —e extensivos a todo o país— os custos em que Temer incorre para se manter no Palácio do Planalto.

Estes não se limitam a concessões como anistias a setores influentes ou cargos distribuídos a apadrinhados; o que se vê é o amesquinhamento da agenda nacional, que conhece variados retrocessos.

No exemplo mais recente, o Ministério do Trabalho editou portaria que cuida da definição de trabalho em condições análogas à escravidão, acrescentando dispositivos capazes de gerar dúvidas jurídicas e dificultar a ação de fiscais.

A depender da leitura, o novo texto dá a entender que tal condição só se configura quando há restrição à liberdade de ir e vir —deixando de fora a jornada exaustiva e as condições degradantes que, pela legislação ordinária, também devem ser utilizadas como critério.

Determina-se ainda que o trabalho dos auditores precisa ser acompanhado por autoridade policial, e irregularidades devem constar de boletim de ocorrência; e que a divulgação da lista de empresas autuadas pela prática infame dependerá da chancela do ministro.

Difícil não ver na medida mais um agrado à poderosa bancada ruralista do Congresso —o setor agrícola responde pela maior parte dos casos reportados e frequentemente se queixa de excessos dos fiscais.

Ainda que tais reclamações sejam pertinentes, a ampliação das possibilidades de defesa no âmbito administrativo se afigura como solução razoável; no governo Dilma Rousseff (PT), foram dados passos nesse sentido. Inadmissível é a intervenção tortuosa e pouco transparente numa legislação que diz respeito a direitos humanos.

A trapalhada se soma a outras, em especial nas áreas ambiental, indigenista e fundiária, em que Temer se alinhou a interesses de parcelas retrógradas do agronegócio. Trata-se de lamentável contrapartida aos avanços no campo econômico, forçados pela crise brutal.

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