Folha de S. Paulo


ANA PAULA BORTOLETTO E CARLA SPINILLO

Rotulagem nutricional: as evidências devem prevalecer

Robson Ventura - 15.nov.2011/Folhapress
-ESPECIAL - SAO PAULO, SP, BRASIL, 15/11/2011 Faltando apenas quatro dias para o Procon e a Vigilancia Sanitaria comearem a aplicar as multas de desrespeito da lei antialcool, alguns comercios ainda nao se adequaram.fotos roubadas da prateleira com cerveja ao lado de refrigerantes no mercado Futurama na rua General Jardim 384.Foto: Robson Ventura/Folhapress,(CIDADES)
Prateleira de supermercado em SP

Na última terça-feira (17), neste mesmo espaço, representantes da indústria alimentícia trouxeram suas contribuições ao debate em curso a respeito do aperfeiçoamento das normas que regulam os rótulos nutricionais de alimentos e bebidas.

Em um momento em que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estuda propostas vindas de diversos setores, esta é uma oportunidade ímpar de discussão, e é louvável que o setor produtivo reconheça que a legislação vigente é insuficiente para garantir o direito à informação.

A proposta do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), em conjunto com especialistas em design da informação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), prevê o uso de triângulos pretos, com inscrições em branco, que sinalizam na parte da frente das embalagens a presença em excesso de nutrientes considerados críticos para a saúde: sódio, açúcar e gorduras total e saturada, além de qualquer quantidade de gordura trans e adoçantes.

Essa proposta nasce baseada em sólidas pesquisas —científicas e de opinião; nacionais e internacionais— que nos permitiram chegar a importantes conclusões. A principal delas é a de que o sistema de sinalização em cores (verde, vermelho e amarelo), proposto pela indústria alimentícia, não é eficaz para a informação do consumidor.

Isso porque ele é de difícil comparação e entendimento. Por exemplo, qual produto seria mais saudável: o que apresenta duas cores amarelas e duas verdes, ou o que tem três verdes e uma vermelha? Além disso, com o uso dessas cores 'quentes e vivas', comuns nas embalagens de alimentos e bebidas, a sinalização perde seus destaques diante de tantos elementos.

É nesse contexto que o Idec propõe o triângulo preto. E não existe nenhuma única evidência de que este modelo desperte medo ou sensação de perigo. Ao contrário. No Chile, 92,4% dos consumidores avaliaram como "bom" ou "muito bom" a utilização de um selo semelhante à proposta do Idec.

Pesquisas de opinião semelhantes foram reproduzidas no contexto brasileiro e, outra vez, a possibilidade de alarde excessivo ou desproporcional não foi detectada.

Mais uma vez, lembramos que neste debate o único ponto de vista válido é o do consumidor. Ter acesso a informações claras e precisas é um direito, principalmente quando estão em jogo a saúde e o bem-estar.

A epidemia de obesidade é uma realidade. Mais de 50% da população adulta brasileira enfrenta o sobrepeso, e quase 20% está obesa. Na faixa etária dos 5 a 9 anos, 34% das crianças estão acima do peso e 15%, obesas.

Não há dúvidas de que se trata de um problema complexo e multifatorial, que exige um enfrentamento diversificado. Os rótulos sozinhos não trazem a solução, mas o direito à informação constitui parte fundamental dessa equação.

Cabe ressaltar que a inclusão de uma rotulagem frontal efetiva, que faz uso de símbolos diretos e claros, em nada tem a ver com o cerceamento de liberdades individuais.

Seu objetivo é contribuir para que o consumidor possa exercer plenamente o direito de escolha, pois apenas diante de informações completas é possível tomar decisões de forma consciente. Qualquer pessoa poderá seguir consumindo o que quiser —a diferença é que ela estará mais bem informada. Simples assim.

A proposta do Idec já recebeu apoio de mais de 30 organizações, que reconhecem o respaldo científico de um trabalho desenvolvido com rigor e coerência, e de mais de 20 mil cidadãos que querem fazer valer o seu direito à informação clara e precisa nos rótulos dos alimentos.

Certamente este é um movimento que assusta partes envolvidas no debate. Mas reações como estas nos mostram que estamos no caminho certo.

ANA PAULA BORTOLETTO é nutricionista e líder do Programa de Alimentação Saudável do Idec
CARLA SPINILLO é pesquisadora e professora no programa de pós-graduação em design da UFPR

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