Folha de S. Paulo


BELISÁRIO DOS SANTOS JR.

Consórcio e cartel, a distinção necessária

Fábio Vieira/FotoRua/Folhapress
Movimentação intensa de passageiros na estação Luz da CPTM, em São Paulo (SP), na manhã desta quinta-feira (28). Um descarrilamento em uma área de manobras da CPTM faz com que a Linha 11-Coral opere com lentidão entre as estações Guainases, no Extremo Leste, e Luz, no Centro da cidade.
Movimentação intensa de passageiros na estação Luz da CPTM, em São Paulo

Um promotor paulista, em denúncias criminais recentes, vem alegando fraudes na licitação e formação de cartel em certames do mercado metroferroviário de São Paulo.

No último dos casos, a denúncia operou confusão tão grande entre valores orçados e os efetivamente contratados, com os descontos oferecidos, que o próprio governador foi a público afirmar o equívoco do Ministério Público e a lisura da licitação. Esta Folha, em reportagem cuidadosa, desmontou os números do suposto superfaturamento.

Mas o que importa para os efeitos desta reflexão é outra confusão: a operada entre as ações de estruturação de consórcio, prevista na Lei de Licitações, na Lei de Sociedades Anônimas e nos editais, e a formação de cartel, infração contra a ordem econômica.

É fundamental esclarecer, de início, que justamente devido à vasta segmentação da indústria e à forte e crescente exigência de tecnologia, o mercado metroferroviário se especializou de acordo com seus inúmeros subsistemas: material rodante, locomotivas, trens-unidades elétricos, carros de passageiros, com a complexa montagem de equipamento de tração, truques e suspensão, corpo do trem etc.

As próprias multinacionais detentoras da tecnologia especializada não têm igual domínio de todos os subsistemas, mas detêm diversas tecnologias, bem como a de integração e projeção. Isso explica por que, seja por conta das especificações dos clientes, seja para garantir desempenho, por razões econômicas, a fabricação, a reforma e a manutenção de trens são feitas, em geral, via consórcio.

O desenvolvimento dessa tecnologia envolve vultosos aportes, dada a necessidade de equipes muito qualificadas, laboratórios de primeira linha, equipamentos para testes, protótipos e, principalmente, atuação em diversos países, para que, assim, haja experiência de operação, sempre exigida nos editais.

O consórcio viabiliza a efetivação do princípio da eficiência, exigência constitucional para a administração pública. Como afirma o professor João Grandino Rodas, jurista que presidiu o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, a possibilidade de formar consórcios aumenta a eficiência da licitação.

Empresas que, isoladamente, não conseguiriam atender a exigências editalícias de determinada contratação passariam a ter essa perspectiva, se reunidas em consórcio.

A simples aproximação e o contato entre empresas para formar o consórcio não bastam para a caracterização de cartel. Este reside na intenção de diminuir ou eliminar a concorrência, fechar o mercado, com o encarecimento de contratos.

Apenas para ficar na última licitação da CPTM levada ao juízo criminal, participaram mais de 11 empresas, com o resultado de descontos médios de 30% sobre valores orçados. E foi graças ao modelo que empresas nacionais que começaram como subcontratadas, principalmente com mão de obra, conseguiram se consorciar com multinacionais, obtendo atestados necessários para, depois, se associar com outras empresas brasileiras e vencerem transnacionais em licitações.

Não se deve tomar a nuvem por Juno. Em São Paulo, consórcios ampliaram a concorrência e competitividade das licitações, valorizaram a indústria nacional e economizaram para a administração pública.

BELISÁRIO DOS SANTOS JR., advogado, ex-secretário de Justiça e Defesa da Cidadania do Estado de SP, é membro da Comissão Internacional de Juristas

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