Folha de S. Paulo


EMILIO CESAR ZILLI

Quanto os planos de saúde devem ao SUS?

Ronny Santos/Folhapress
SAO PAULO, SP, BRASIL, 26-04-2017 - ALA QUATRO HOSPITAL DO CANCER - Ala quatro fechada. O Instituto do Cancer Doutor Arnaldo voltou a suspender cirurgias e consultas por falta de verba ontem. Na sexta-feira, o presidente do Instituto tinha anunciado que agenda seria retomada na esperanca de receber um aumento no repasse do Sistema Único de Saude (SUS) - o que nao ocorreu. (Foto: Ronny Santos/Folhapress, CIDADES) ***EXCLUSIVO AGORA *** EMBARGADA PARA VEICULOS ONLINE *** UOL E FOLHA.COM CONSULTAR FOTOGRAFIA DO AGORA *** FOLHAPRESS CONSULTAR FOTOGRAFIA AGORA *** FONES 3224 2169 * 3224 3342 ***
Ala do Instituto do Câncer, em São Paulo

O último cálculo estava em quase R$ 4,5 bilhões!

Mas que dívida é esta? Reza a lenda (sim, porque algumas leis no Brasil viram lenda) que, segundo o artigo 196 de nossa Constituição, "a saúde é um direito de todos e um dever do Estado". E mais, no artigo 199, "a assistência à saúde é livre à iniciativa privada". Ou seja, apesar de ser dever do Estado, todos aqueles que quiserem, ou puderem, poderão comprar saúde da livre iniciativa.

Em nenhum momento estes dois artigos entram em conflito! O cidadão brasileiro, se quiser e tiver condições econômicas para tal, terá o direito de cuidar de sua saúde pelo sistema público e pelo privado (suplementar).

Entretanto (e o Brasil é o país dos "entretantos") o parágrafo 2 do artigo 199 é claro: é vedada a destinação de recursos públicos para auxílio ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos.

E daí? O que se entende por isso? Pode ser considerada subvenção pública às instituições privadas quando um cidadão, que tem direito às duas formas de atendimento, for atendido por um hospital público em regime de emergência? A gestão pública entende que sim! A privada (planos de saúde), não!

O custo desse atendimento assumido pelo Estado deve ser ressarcido pelo plano de saúde, ao qual o cidadão já paga, assim como também paga à previdência?

Ou será que esse valor será devido ao próprio cidadão pela operadora, que ao vender o contrato também é a responsável por esse tipo de atendimento?

A minha opinião como médico e como cidadão é esta: o credor dessa dívida é o cidadão! Neste caso, o paciente que, ao ser atendido em um hospital público, em vez de um do seu plano de saúde, na grande maioria das vezes, o faz não por opção, mas sim por falta dela, numa condição de emergência ou mesmo de acesso naquela área ou naquele momento.

É difícil aceitar a justificativa declarada por alguns "gestores" públicos que o ressarcimento ao SUS reinjetaria esse valor no sistema público, gerando um melhor atendimento. Bem sabemos (ou melhor, mal sabemos) o que é feito com as verbas que já são especificamente destinadas para esse fim.

Mas, queiramos ou não, esta querela dura anos. Os tribunais e os advogados pugnam em ações que se perdem no tempo. Os planos de saúde, muito bem organizados e possuidores de um verdadeiro exército de competentes advogados, conseguem postergar eternamente o pagamento, e esta dívida que logicamente existe, e é legítima, não beneficia nem o Estado e muito menos o cidadão!

Para se ter uma ideia, somente no ano de 2016 a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), a quem compete fazer esta cobrança dos planos de saúde, cobrou R$ 1,65 bilhão referentes a este ressarcimento, não tendo recebido nem 6% deste total.

E então? O que fazer? Como acabar com esta celeuma jurídica? A dívida existe? Parece que não há dúvidas! O credor é o cidadão? Também penso que moralmente seja inquestionável.

Então por que este cidadão, além de tudo, é duplamente punido? Punido quando já foi obrigado a optar por um serviço de saúde alternativo em virtude das deficiências já exaustivamente conhecidas por todos, sobre a incompetência e a inoperância do Estado na área de saúde (e também nas outras).

Punido quando anualmente a ANS permite reajustes extorsivos, muito além de sua capacidade econômica, quando é obrigado a recontratualizar o seu plano.

As operadoras de planos de saúde se justificam usando três argumentos (além de outros), mas estes sempre aparecem para reajustar seus planos acima da inflação: o aumento da sinistralidade que significa o número de vezes que o plano é utilizado pelos usuários; a variação do Custo Médico Hospitalar (VCMH) que, alegam, é sempre acima da inflação geral; e o envelhecimento populacional de suas carteiras, o que obviamente obriga a uma maior utilização.

Todas essas alegações são questionáveis em seus impactos e, em nome da transparência, devem ser discutidas em outra oportunidade, mas entendendo-as como válidas, como entende a ANS, se revertermos o valor devido pelos planos de saúde ao Estado (hoje por volta de R$ 4,5 bilhões) para dentro do próprio sistema suplementar, isto, por si só, terá um efeito muito positivo, impactando em vários níveis a chamada "sinistralidade", já que este valor que deixou de ser dispendido pode ser reinvestido no próprio sistema, diminuindo seu custo e consequentemente seu preço para os seus usuários. Os reajustes anuais serão necessariamente mais baixos.

E vejam bem, instituindo-se com isso apenas a justiça que todos queremos e esperamos, a verdadeira, ética e moral.

A este mecanismo damos o nome de "anti-sinistralidade"! Assim, estamos lançando o desafio para aqueles que realmente ainda sonham e acreditam em um sistema de saúde mais equânime, mais eficiente e menos assimétrico.

EMILIO CESAR ZILLI é diretor da AMB (Associação Médica Brasileira) e principal interlocutor da entidade com a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar)

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