Folha de S. Paulo


ADRIANA CAMPOS

Padre Charbonneau: um educador visionário

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O padre Paul-Eugène Charbonneau em sua mesa de trabalho em São Paulo. [FSP-Mais!-31.08.97]*** NÃO UTILIZAR SEM ANTES CHECAR CRÉDITO E LEGENDA***
O padre Paul-Eugène Charbonneau, em sua mesa de trabalho em São Paulo, em foto sem data

O debate público sobre educação no Brasil ganhou nos últimos tempos um contorno sombrio: os defensores (ou seriam partidários?) da chamada Escola Sem Partido se tornaram protagonistas de uma contenda reducionista e empobrecida, na qual o ensino seria pensado a partir de uma suposta neutralidade ideológica que eliminaria a política como esfera de discussão e formação do pensamento crítico.

De fato, o debate sobre educação já foi muito mais denso. Há 30 anos, falecia em São Paulo um padre canadense que transformou o colégio Santa Cruz em uma escola de vanguarda na capital paulista.

Mais do que isto, Paul-Eugène Charbonneau, que foi articulista desta Folha, foi um grande polemista da educação, leitor e crítico rigoroso de tudo que dizia respeito à tradição humanista, que apresentava com entusiasmo aos seus jovens alunos no colégio.

Reler a obra de Charbonneau hoje é se deparar com um visionário: "Falar em liberdade é inevitavelmente falar em moral, pois só há liberdade na escolha e não há escolha senão no valor. O problema da liberdade coloca forçosamente o problema dos valores; assim chegamos diretamente à questão moral. Na medida em que busca atingir a liberdade, toda educação implica uma formação moral. É impossível escapar a este fato, e todas as tentativas de educação "neutra" são apenas artificiais. Há sempre no fundo de toda educação uma opção moral que é comunicada conscientemente ou não." (A escola moderna, uma experiência brasileira: O Colégio Santa Cruz, 1973)

Autor de 45 livros, Charbonneau chegou ao Brasil em 1959, aos 33 anos, e rapidamente já conseguia se expressar em português —com forte sotaque, mas com muita fluência.

Os testemunhos dos que conviveram com ele são sempre muito loquazes: "Foi ídolo de uma geração de alunos com os quais era visto —de camisa vermelha, uma excentricidade na época— nas choperias em voga a discutir assuntos existenciais ou a literatura obrigatória em seu curso: Dostoiévski, Camus, Sartre, Kafka e Hermann Hesse, entre outros autores", escreveu Luiz Eduardo Magalhães, ex-diretor do colégio, que acompanhou a trajetória de seu colega desde os anos 1970.

Em outra reflexão, também do livro de 1973, sobre o modelo de escola que julgava necessário em um país que ainda vivia sob uma ditadura militar, escreveu: "Na escola exigida por uma civilização democrática, a liberdade deve ser levada ao máximo, e a disciplina reduzida ao mínimo. O menino, como mais tarde o homem adulto, só evolui na liberdade. O reverso, necessário e propício desta pedagogia da liberdade, será uma pedagogia da responsabilidade. São os dois pratos de uma mesma balança. [...] O homem só pode ser livre se for responsável. A vida escolar deve ensinar esta lição capital. Em vez de um quadro rígido que impõe e dispensa o indivíduo de assumir as consequências de seus atos, ela criará uma constante solicitação e um apelo à consciência."

Charbonneau viveu intensamente em função da grande paixão que abraçou, a educação dos jovens, sempre defendendo o reconhecimento da diversidade (fundamento do efetivo diálogo) e destacando a importância da educação em direitos humanos, ética e cidadania.

E, neste mês de seu falecimento, vale salientar aos que almejam a autonomia da escola e o desenvolvimento de uma educação crítica (que promova avanços econômicos, políticos e sociais no país) que redobrem o entusiasmo contra esta pequena parcela interessada em reproduzir privilégios e condenar nossos jovens à minoridade intelectual.

ADRIANA CAMPOS é cientista social e ex-aluna do colégio Santa Cruz

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