Folha de S. Paulo


MILLY LACOMBE

Somos todos doentes

Analía Garelli - 28.jun.2017/Télam/Xinhua
(170628) -- BUENOS AIRES, junio 28, 2017 (Xinhua) -- La bandera del arcoíris es izada en el Obelisco para conmemorar el Día de Internacional del Orgullo LGBTI (Lésbica, Gay, Bisexual, Transexual e Intersexual ), en Buenos Aires, Argentina, el 28 de junio de 2017. La bandera del arcoíris fue izada en el Obelisco en conmemoración del Día de Internacional del Orgullo LGBTI, que se celebra cada 28 de junio a nivel mundial, en una ceremonia organizada por la Subsecretaría de Derechos Humanos y Pluralismo Cultural y la Dirección General de Convivencia en la Diversidad de la Ciudad de Buenos Aires, de acuerdo con información de la prensa local. (Xinhua/Analía Garelli/TELAM) (tl) (jg) (ah)
Bandeira do arco-íris é içada no Obelisco, em Buenos Aires, no Dia Internacional do Orgulho LGBTI

Aqui estamos outra vez divididos. De um lado, a bancada evangélica pregando a cura gay e buscando, com êxito, apoio das instituições. Do outro, os que concordam com a ciência e entendem que a homossexualidade não é diferente da heterossexualidade.

"Para criaturas tão pequenas como somos essa vastidão é suportável apenas através do amor", escreveu o astrônomo Carl Sagan há 30 anos.

E, em 2017, talvez já não devêssemos estar debatendo tipos de relações amorosas porque é aceitável que adultos se relacionem de forma íntima desde que os dois (ou os três, sabe-se lá) assim desejem.

Se alguma coisa faz com que eu me sinta bem e não causa mal a nenhum outro ser ou à Terra, ela é correta. E superemos isso para, juntos, podermos suportar a vastidão sobre a qual Sagan falou.

Até porque não há debate possível quando a arena passa a ser a religiosa: é preciso apenas que se respeite a crença alheia. É aqui, portanto, que a estrada termina: crenças não devem ser impostas, devem ser vividas.

Trata-se da diferença entre a moral e o moralismo: impor uma crença ao modo de vida de outra pessoa é moralismo, e o moralismo sempre carrega com ele um tanto de recalque, um tanto de inveja e pouquíssimo de moral.

É como se gays e lésbicas saíssem por aí questionando o que causa a heterossexualidade e buscando formas de corrigi-la porque, afinal, a heterossexualidade não faz sentido para mim.

Permitir que a homossexualidade seja considerada doença é desumanizante com milhões de pessoas porque rouba delas a dignidade, e não há violência maior do que não reconhecer a humanidade de alguém. Mas é árdua a batalha contra a estupidez -e vamos considerar estupidez qualquer ideologia que se oponha a forças como o amor, a arte e a liberdade.

Existe, claro, uma doença relacionada à homossexualidade: chama-se homofobia, e ela pode matar (em 2016 foram registradas quase 400 mortes diretamente ligadas à homofobia).

"A homofobia é uma forma de odiar tudo o que não é patriarcado", escreveu Rebecca Solnit em seu "A Mãe de Todas as Perguntas"; assim como o racismo, a misoginia, o classismo -doenças graves que há séculos contaminam muitos em nossa sociedade.

O que talvez devêssemos estar debatendo, em nome de um mundo melhor, é a qualidade das relações, e não o tipo de relação que queremos impor uns aos outros.

"Uma relação humana honrosa -uma na qual as pessoas tenham o direito de usar a palavra amor- é um processo; delicado, violento, muitas vezes torturante para os envolvidos, um processo de aprimoramento em relação às coisas que um pode dizer ao outro", escreveu a poetisa lésbica Adrienne Rich.

Mas para viver a experiência em sua totalidade precisamos de tempo, e nesse corre maluco, agachados nas trincheiras que construímos para nos isolar, entregues aos mais variados escapes -de drogas a tecnologias- deixamos de nos ver, de nos aprofundar em conversas, de olhar uns nos olhos dos outros.

"Atenção é a forma mais rara e pura de generosidade", disse Simone Weil. E uma sociedade incapaz de praticar generosidade é uma sociedade profundamente adoentada.

MILLY LACOMBE, 50, é autora do romance "O Ano em Que Morri em Nova York" (Planeta), colunista das revistas Trip e Tpm, e lésbica

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