Folha de S. Paulo


Moreira Franco

A realidade de governar

As armas da comunicação política não são os longos enredos lógicos produzidos pela razão. São as palavras fortes, as que dizem, com o mínimo, o bastante para o diálogo ou a discussão. Sem tempo para explicações ou para nuances. Tudo o que é preciso saber é servido em pílulas, cujo conteúdo mágico se dissolve fora da nossa vista.

Bom exemplo disso é o que se dá hoje a respeito da natureza do governo presidencial. Há quem pense que bons governos devem ter maiorias próprias; outros se satisfazem com maiorias conquistadas por coalizão entre partidos diferentes, e quase todos, por fim, condenam as maiorias formadas pela chamada cooptação.

Cada um desses regimes envolve causas, processos e consequências complexos, mas nunca há tempo suficiente para investigá-los. O que interessa são as palavras: maioria, coalizão e cooptação.

Governos com maiorias próprias e estáveis tornam mais fácil a tarefa de governar e dão ao governante maior liberdade para aplicar suas políticas, sem submetê-las a compromissos desfiguradores. Em compensação, são mais indiferentes aos desejos instáveis da opinião pública, pelo menos nos primeiros tempos dos mandatos.

Quem escolhe dar maioria aos governos é o eleitor, mas é o sistema eleitoral vigente que viabiliza essa escolha. Se o voto parlamentar é o distrital simples, majoritário, é mais provável a formação de maioria. Se o sistema é o proporcional puro, é quase impossível. Governos parlamentaristas só são possíveis, na prática, com o sistema distrital, ou pelo menos, com o distrital misto.

Onde há fragmentação partidária, maiorias só podem ser obtidas por coalizão de partidos. As moedas do compromisso e das alianças nem sempre são abertas e mostradas ao grande público, mas o governo exibe sempre uma postura protocolar de grandeza e de dignidade, o que às vezes retrata a realidade, mas nem sempre.

Quando a fragmentação partidária passa dos limites razoáveis, como entre nós, onde a Câmara tem quase 30 partidos, e quando alguns são pequenas organizações ou grupos de deputados sem laços orgânicos ou visões compartilhadas, não se fala mais de coalizão, mas de cooptação, que é uma palavra à qual se deu forte sentido pejorativo.

Do Olimpo dos analistas políticos, quer na academia, quer na imprensa, disparam-se flechas envenenadas contra o governo Temer. É um governo de cooptação e, por isso, deve ser atacado, não importa o que faça e os seus resultados.

É justa a acusação? Winston Churchill (ex-primeiro-ministro britânico) disse uma vez que a primeira tarefa de um governo é governar, e, como sempre, ele estava certo. Para isso ser possível, é imprescindível contar com maioria parlamentar. Só pode pertencer à maioria quem tem mandato e foi escolhido em eleições livres, segundo as regras definidas pela Constituição.

Pode-se até dizer que no Brasil de 30 partidos não é o governo que escolhe sua maioria, mas é a maioria que escolhe seu governo.

A discussão moral sobre a qualidade da maioria ou a natureza da sua formação –coalizão ou cooptação– é um bom caminho para se refugiar da realidade e de suas consequências.

E culpar o governo por querer cumprir o dever de governar, reconhecendo a legitimidade do Parlamento e se rendendo à dispersão partidária, é viver no terreno perigoso da fantasia e da irresponsabilidade política.

Ou será que, no fundo, o que desejam mesmo é que o governo não governe nem reforme o país?

É óbvio que o sistema político que temos não é criação deste governo. É resultado de nossa história política, de nossa Constituição, de decisões da Justiça, inclusive da Corte Suprema, e de sucessivas legislaturas. É com ele que se governa, ou não se governa!

A quem olha para o futuro em busca de milagres, é bom se prevenir: com as regras que temos sobre partidos e eleições, o próximo governo, qualquer que seja, terá de fazer o chamado governo de cooptação. Ou não vai governar!

Por isso, poucos têm a ousadia de pensar que, mais importante que as próximas eleições, seria uma reflexão mais séria sobre um sistema que deixou de ser funcional e precisa de ser reformado. E, quem sabe, não perder mais uma vez esta oportunidade.

MOREIRA FRANCO, 72, é ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República; foi ministro da Aviação Civil (2013-2015, gestão Dilma) e governador do Rio (1987-1991)

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