Folha de S. Paulo


Alencar Santana Braga e José Américo Dias

Não cheira bem

Vanessa Carvalho/Brazil Photo Press/Folhapress
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, discursa durante envento de celebração dos 15 anos da Sabesp na NYSE (Bolsa de Nova York)
O governador de SP, Geraldo Alckmin, em evento dos 15 anos da Sabesp na Bolsa de Nova York

O governador Geraldo Alckmin enviou em 1º de agosto à Assembleia Legislativa o projeto de lei Nº 659, que propõe uma obscura reorganização societária da Sabesp. A proposta implica três grandes riscos e uma fuga da realidade.

O primeiro risco é a perda de valor da empresa. O governo tem o controle de 50,3% das ações ordinárias (com direito a voto); os privados, 49,7% das ações negociadas nas bolsas de São Paulo e Nova York. A Sabesp faz parte do Novo Mercado da Bovespa, categoria de S.As que seguem regras mais rígidas de governança.

A intenção do governo é criar uma holding, que se tornaria controladora da Sabesp, e captar de R$ 5 a R$ 9 bilhões no mercado. A modelagem foi contratada a uma empresa do Banco Mundial, mas nem o presidente da empresa a conhece.

Não há transparência, mas sobra pressa; o projeto tramita em regime de urgência. O governo impediu o debate em comissões e quer aprovar o PL, já nesta semana, no escuro.

O que se sabe é que o Estado aportaria o seu bloco acionário na holding, promovendo um novo arranjo de ações ordinárias e lançando ações preferenciais (sem direito a voto). Esta mudança de modelo traz risco de perda de valor da Sabesp.

O segundo risco é uma privatização disfarçada de um bem público essencial, o saneamento. Ainda que o governo garanta que terá o controle da holding, o que move os acionistas privados é a busca de gordos dividendos todos os anos.

A captação de esgotos no Estado chega a 96%, e o tratamento, a 74%, segundo a Sabesp. Mas, na capital, este é de apenas 55%, segundo o Instituto Trata Brasil.

Nas periferias, nos vales dos riachos e nos fundos das represas chegam as tubulações, mas a Sabesp ainda não as liga aos troncos e interceptores que levam o esgoto até as estações de tratamento. A população pobre sofre com mau cheiro, doenças gástricas e de pele; as águas e o meio ambiente se degradam.

O terceiro risco, para os 14 mil funcionários da Sabesp, é a potencial introdução de diferenciações funcional e remuneratória.

A fuga da realidade é o padrão Alckmin de adiamentos infindáveis, como no metrô. Em 5 de junho de 2012, o governador editou o decreto 58.107, com a meta: "Universalizar o saneamento até 2020: 100% de água, 100% coleta e 100% tratamento de esgotos em todos os municípios do Estado." Estamos longe disso.

O Projeto de Despoluição do Tietê, iniciado pela Sabesp nos anos 90, já consumiu US$ 3,6 bilhões, mas o rio continua severamente poluído na área metropolitana. Ninguém sabe, de verdade, que metas existem e quão factíveis são.

Os deputados deveriam devolver esse PL ao governador. O certo seria Alckmin. apresentar um Plano Estadual de Saneamento sério, aberto ao debate público, o que ele também não faz.

A nova empresa surge como uma gambiarra. Em vez de focar o saneamento, ela também cuidaria de resíduos sólidos, energia e "oportunidades de negócios" país afora. Gambiarra e pressa às véspera da eleição à Presidência da República, na qual Alckmin é pré-candidato? Isso não cheira bem.

PARTICIPAÇÃO

ALENCAR SANTANA BRAGA é advogado, deputado estadual e líder da bancada do PT na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp)

JOSÉ AMÉRICO DIAS é jornalista, deputado estadual (PT) e presidente da Comissão de Infraestrutura da Alesp

PARTICIPAÇÃO

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