Folha de S. Paulo


Tomás de Lara e Lucas Djahjah

Economia colaborativa e a cidade do futuro

Divulgação
Ouisharefest, maior festival de economias colaborativas do mundo, em Paris
Ouisharefest, maior festival de economias colaborativas do mundo, em Paris

"Nós estamos perdendo." O diagnóstico feito pelo Ouisharefest, o maior festival de Economias Colaborativas do mundo, é alarmante.

As crises políticas, recessões de lenta recuperação e o crescimento do autoritarismo parecem reforçar a tese. Se não fosse por um detalhe: de acordo com o manifesto do evento francês, que aconteceu entre os dias 5 e 7 de julho em Paris, é justamente "hora de reiniciarmos o sistema". E o chamado é claro, "cidades do mundo, uni-vos!".

Fundado em 2012, o Ouisharefest formou uma rede internacional de especialistas e empreendedores da economia colaborativa unidos em torno de um objetivo: promover soluções para problemas estruturais na sociedade através desse conceito. Em seu recente festival, mobilizou mais de 3.000 pessoas de todo o mundo.

Afinal de contas, o que é essa economia colaborativa? A proposta é mudar a relação que governos, sociedade e empresas têm com a posse, produção e consumo de bens materiais, recursos intelectuais e financeiros. Assim, gerar uma cultura de maior colaboração e participação do cidadão como protagonista e agente de transformação.

E onde melhor se manifestam essas dinâmicas de poder do que nas cidades? Ainda que tenham um papel determinante na vida das pessoas, o seu desenvolvimento não é feito através da participação cidadã, da lógica do compartilhamento de recursos, mas sim de modelos que servem a interesses privados e sem visão sistêmica do todo que é a cidade.

No festival, em que palestras abordam desde temas recorrentes como crise de confiança na política e desafios econômicos mundiais até vanguardas conceituais como, internet das coisas, democracia digital e a 4ª Revolução industrial, um consenso se formou: de que a cidade pode ser entendida em três eixos de criatividade e colaboração.

A divisão mostra, justamente, as camadas de interação em que a economia colaborativa pode ser aplicada, abarcando tanto ações individuais quanto institucionais.

O primeiro nível é o cidadão, que pode ser um agente de inovação econômica e social. Nele, se entende que a colaboração pode existir através da cidadania participativa, do empreendedorismo de impacto positivo e do engajamento em causas sociais.

É o caso do trabalho feito por Brandon King, palestrante do Ouisharefest deste ano, que lidera o Cooperation Jackson, uma iniciativa de cooperativas de trabalho no Mississipi, EUA.

King, sociólogo de formação, através da mobilização de sua própria comunidade formou uma rede de apoio, treinamento e crédito aos trabalhadores de uma das regiões mais desprivilegiadas do seu país.

Cabendo ao cidadão o protagonismo das transformações socioeconômicas, não é somente através dele que a cultura de colaboração se desenvolve. É o caso do segundo nível, da 'cidade', onde as iniciativas privadas e públicas se unem ao processo.

É o tipo de papel que Jeremy Heimans, que também falou no festival, descreve em seu conceito de "novo poder". Para o americano, as cidades devem ativamente se reformular fugindo dos interesses "de cima", como das grandes corporações e governos federais e estaduais, para ouvir diretamente os seus cidadãos.

E por último, e não menos importante, entra o nível de colaboração intermunicipal, ou global, em que a interação entre as próprias cidades pode promover mudanças benéficas e compartilháveis entre diferentes realidades.

Na dianteira desse movimento está Barcelona, que lançou o 'Barcelona Digital City'. Nele, a cidade busca criar espaços digitais de transparência e interação com seus cidadãos. O projeto, criado pela diretora de inovação da cidade, Francesca Bria, já se espalha pelo mundo em eventos como o Ouisharefest.

A América Latina não fica de fora desse movimento. Por aqui, surgem iniciativas como o Nossas Cidades, uma plataforma digital que mobiliza centenas de milhares de pessoas em torno de uma política mais transparente e justa pelo país, e o Movimento Global de Empresas B, uma rede internacional de pessoas e empresas que usam a força dos negócios para solucionar problemas ambientais e sociais

O surgimento de eventos como o ColaborAmerica, a versão Latino Americana do Ouisharefest que terá sua 2ª edição nos dias 23 a 25 de novembro, no Rio de Janeiro, mostra a força do movimento no continente.

No ano passado, o festival reuniu 4.400 pessoas e trouxe palestrantes como Ricardo Abramovay, Lala Deheinzelin e Sérgio Besserman. Das falas, oficinas e ideias compartilhadas no Rio e em Paris surgiram as as mesmas preocupações: mudanças radicais estão acontecendo. Como aproveitá-las para melhorarmos as condições de vida desta e da próxima geração?


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