Folha de S. Paulo


LUCIANO HUCK

Tá ligado?

Adriano Vizoni/Folhapress
O apresentador de TV e empresário Luciano Huck
O apresentador de TV e empresário Luciano Huck

Sim, os carros serão autônomos muito em breve. Sim, o córtex humano estará conectado à nuvem. Sim, vamos poder fazer download de nossa memória. Sim, vamos usar minérios vindos do espaço. Sim, você poderá escanear seu corpo em casa, gerando um diagnóstico imediato. Sim, a inteligência artificial é uma realidade e irá engolir o mundo.

Tenho dedicado parte razoável do meu tempo a tentar entender o impacto das novas tecnologias em tudo o que nos cerca. Ao mesmo tempo, esforço-me para manter a antena erguida num permanente processo de busca/curadoria de gente e ideias.

Penso que não há maneira de deflagrar o processo de transformação de que precisamos a não ser pelo aprimoramento deste binômio clássico: tecnologia/gente. Com foco maior, sempre, nas cabeças capazes das melhores sinapses e ideias.

Passei os últimos dias imerso numa sequência sem fim de palestras e painéis sobre o futuro. Um mergulho estruturado sob a curadoria da Singularity University, um moderno centro de estudos no miocárdio do Vale do Silício.
O objetivo da instituição é fomentar ideias que possam impactar positivamente a vida de bilhões de pessoas. Como eles mesmos classificam, criatividade diruptiva com impacto exponencial.

Todas as afirmações que abrem este texto são verdadeiras. O mundo está sim em evidente transformação; a tecnologia e as mudanças que vimos até aqui, acredite, são microscópicas perto do que está por vir.

Muitos dos meus pares nestes dias de "Jetsons"estavam lá em busca de oportunidades de empreender ou de ressignificar seus negócios. No meu caso, tentei enxergar o lugar do Brasil neste novo planeta que se desenha rapidamente.

Em boa parte do tempo fomos confrontados por números que mostram como a vida na Terra melhorou nos últimos cem anos. Mortalidade infantil, saúde, educação, saneamento básico, tecnologia, medicina moderna, democracias...

Condições que no começo do século passado eram privilégios reservados apenas aos muito ricos hoje são realidade para milhões de habitantes do planeta. Uma defesa bem argumentada, garantindo que a vida na terra nunca foi tão boa e confortável como agora.

Pode até ser, mas tenho a sensação de que essa leitura cartesiana dos dados sobre os avanços da humanidade não nos representa, não se aplica ao Brasil, pelo menos no momento que vivemos.

Desconheço quem esteja pleno, realizado e saltitante, sentindo que a vida no país está bem melhor do que antes. A nossa situação é urgente. Não temos mais gordura para queimar. Não podemos perder tempo mais uma vez, aceitando um outro ciclo de inércia, de incompetência exacerbada, atraso deliberado, um misto nefasto de ganância, corrupção e estupidez que nos assola ao longo de décadas, independente de governos, partidos e facções.

Nossos tropeços éticos, políticos e econômicos estão custando caro a quem de fato depende da saúde estrutural do país para ter oportunidades e uma vida minimamente digna.

Não tenho nenhuma dúvida de que a tecnologia e a ciência de ponta podem ser chaves mestras para destravar o país e nos tirar do atraso em inúmeras frentes, tornando nossas estruturas mais ágeis, eficientes, modernas e, principalmente, transparentes.

Temos que enxergar o Brasil como gostaríamos que ele fosse, e não como ele está. Se não tivermos um projeto de país, pensado, claro e inteligente, vamos seguir apontando os defeitos uns dos outros, os erros alheios, dando cabeçadas. Não vamos construir nada. A troca de ideias genuína e a fricção entre elas nunca foram tão necessárias.

Admiro o olhar empreendedor que estadistas contemporâneos de verdade também compartilham, no qual a escassez e a ineficiência são entendidas como oportunidades, nunca como obstáculos intransponíveis.
Estamos cheios de empecilhos pela frente e, exatamente por isso, cheios de oportunidades.

Depois deste mergulho na futurologia, sinto-me ainda mais habilitado a afirmar que o que está por vir faz com que o nosso passado não guarde nenhuma semelhança com o futuro dos nossos filhos.

Não podemos mais ficar inertes; temos que enxergar com clareza o país que queremos e usar esta revolução tecnológica a nosso favor.

O sucesso desta nossa geração e o futuro das próximas dependerá do impacto que formos capazes de gerar na vida de todas as pessoas.

Tenho a clareza de que um significado maior e mais verdadeiro é infinitamente mais importante do que o sucesso por si só.

Não há sucesso, não há felicidade, não há riqueza se não formos capazes de estender esses privilégios a todos. Não, você não precisa se preocupar com a inteligência artificial. Melhor se preocupar com a estupidez humana.

PARTICIPAÇÃO

LUCIANO HUCK é apresentador de TV e empresário

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