Folha de S. Paulo


LUIZ PINGUELLI ROSA

Governo deve privatizar a Eletrobras? NÃO

ESTATAL TAMBÉM PODE SER EFICIENTE

Sou contrário à privatização anunciada da Eletrobras. O estimado valor de mercado da empresa, a bagatela de R$ 20 a R$ 30 bilhões, é muito inferior aos investimentos já feitos e irrisório perante o rombo anual da União, da ordem de R$ 159 bilhões.

O governo declarou que as tarifas cairão, o que é uma falácia. Para o consumidor cativo da rede, elas subirão, pois ativos amortizados serão revalorizados. Que vantagem traria sua privatização para a sociedade brasileira ?
Há grandes estatais muito eficientes no mundo, como a EDF francesa, a Hydro-Québec (no Canadá), a Tennessee Valley Authority, nos EUA. Aliás, nos EUA, praticamente todas as hidrelétricas são estatais.

Para justificar seu intento de privatizar a Eletrobras, o atual governo alega que ela não é uma empresa eficiente. Isso é verdade?

Fui presidente da Eletrobras de janeiro de 2003 a maio de 2004. Encontrei as empresas elétricas federais desestruturadas pelo processo de privatização que se colapsou com o racionamento de 2001, consequente da falta de investimento no setor e após o qual o consumo caiu acentuadamente, ficando grande parte da capacidade de geração ociosa.

Um relatório publicado em 2004, sob o título "Um Novo Horizonte para o Grupo Eletrobras", mostra que em um curto período, cerca de um ano e meio, iniciamos a recuperação do desmonte anterior.

A partir de uma nova filosofia de trabalho, com ênfase na ação conjunta e integrada das empresas do Grupo Eletrobras, renegociamos dívidas de concessionárias, recuperando créditos dados como perdidos, e, como resultado, Furnas e Chesf exibiram, em 2003, lucros recordes. A primeira de R$ 1,1 bilhão; a segunda, de R$ 816 milhões.

O bom desempenho geral se refletiu em ganhos para a Eletrobras, cujas ações ON se valorizaram 103%, bem acima do índice Bovespa.

Após mais de meia década impedidas de investir, as empresas da Eletrobras foram, finalmente, retiradas do Plano Nacional de Desestatização. Os recursos injetados pelo grupo no setor, em 2003, somaram R$ 7,5 bilhões.

Desse total, R$ 3 bilhões foram investimentos de capital próprio, que permitiram, entre outras iniciativas, duplicar a usina de Tucuruí, da Eletronorte, no Pará; fazer a obra da termelétrica de Camaçari da Chesf, na Bahia; e levar adiante a ampliação de Itaipu, com duas novas turbinas de 700 MW cada uma.

Também foi possível retomar, em parceria com a EDP, a obra da usina de Peixe Angical, no Tocantins, que estava suspensa. O grupo resgatou seu papel de principal investidor do setor.

No primeiro leilão para a construção de linhas de transmissão realizado pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), o grupo Eletrobras foi o grande vencedor.

Assim foi iniciada a construção de 1.260 quilômetros de linhas, investindo R$ 1,1 bilhão, com o deságio médio de 36% obtido no leilão. Tudo isso graças à presença das empresas do grupo, pressionando para baixo os valores, o que se refletiu em menores tarifas para o consumidor.

Baseado nessa experiência, estou convicto de que a Eletrobras pode ser uma empresa eficiente. A eficácia independe do fato de uma empresa ser privada ou estatal, mas de um planejamento estratégico e compromisso da gestão.

No entanto, no caso da empresa, que gere um bem de consumo estratégico para o desenvolvimento, sobretudo em um país tão diverso e desigual como o nosso, considero que a opção em mantê-la estatal é a melhor para a população.

PARTICIPAÇÃO

LUIZ PINGUELLI ROSA é professor de planejamento energético da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi presidente da Eletrobras (janeiro de 2003 a maio de 2004)
PARTICIPAÇÃO

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