Folha de S. Paulo


editorial

Quem paga a eleição

Diego Herculano 26.09.2016/Folhapress
Informática 07.08.2017 - Urna eletrônica utilizada em votações no Brasil. (Foto: Diego Herculano 26.09.2016/Folhapress)
Urna eletrônica

Se o extraordinário trabalho investigativo da Lava Jato produziu um efeito colateral, este foi a disseminação da tese frágil de que eliminar doações de empresas a campanhas eleitorais será remédio eficaz contra a corrupção.

É fato que dezenas de delações premiadas apontaram as relações espúrias entre o poder público e grandes financiadoras de campanhas, as empreiteiras, empenhadas em assegurar lugar privilegiado nos negócios do Estado.

Daí se concluiu que doações a candidatos, mesmo legais, tornaram-se forma disfarçada de pagamento de propina —acusação que, embora verossímil, ainda não passou pelo crivo final do Judiciário. A generalização de tal leitura, de todo modo, mostra-se perigosa.

Ora, é evidente que pessoas físicas e jurídicas contribuem para eleições em todo o mundo movidas a preferências e interesses, legítimos na grande maioria dos casos.

Objetivos escusos sempre existirão –assim como as oportunidades de levá-los a cabo, ainda mais tratando-se de um governo hipertrofiado como o brasileiro.

Entretanto consolidou-se em setores influentes da sociedade a repulsa às doações empresariais, tidas como meio de captura do processo político pelo poder econômico. Com argumentos como esse, o Supremo Tribunal Federal as considerou inconstitucionais, em julgamento de setembro de 2015.

Havia na decisão boa dose de ativismo judicial: a legislação brasileira nada dizia de explícito a esse respeito, e os pleitos vinham sendo realizados normalmente com o financiamento de pessoas jurídicas.

Acovardada e carente de lideranças, a classe política submeteu-se aos desígnios em voga, o que explica boa parte da balbúrdia em torno das propostas de reforma política que se sucedem a cada dia.

Constata-se, tardiamente, que a opinião pública rejeita a hipótese de destinar bilhões do dinheiro dos contribuintes ao custeio de candidaturas —e isso sem nem considerar o risco de que saiam favorecidos os que já têm mandato e os que contam com a ajuda da máquina estatal, de igrejas ou sindicatos.

Alguns tímidos sinais de bom senso se fizeram notar nos últimos dias. Noticiou-se que o Legislativo tem feito consultas ao STF sobre a volta, com regras de controle, das doações de empresas. O próprio juiz Sergio Moro, da Lava Jato, sugeriu que elas poderiam ser restabelecidas, com limites rígidos.

Esta Folha há muito defende que se fixem tetos em valores absolutos para tais contribuições, além de providências para baratear as campanhas e aproximar representantes e representados, como a adoção do voto distrital misto.

Ainda resta tempo, não muito, para evitar que a reforma acrescente novos vícios ao sistema político.

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