Folha de S. Paulo


Braulio Dias

Unidades de conservação, esforço e credibilidade ameaçados

O Brasil é reconhecido mundialmente como o país mais rico em biodiversidade.

Estima-se que cerca de um quinto de todas as espécies da flora e da fauna mundial estejam em território brasileiro e que metade dessas espécies sejam endêmicas do Brasil - isto é, não ocorram em nenhuma outra parte do mundo.
Num mundo onde vários países amarguram escassez de água, de madeira e de alimentos e vivenciam crescentes eventos de desastres ambientais, epidemias, fomes e conflitos decorrentes em parte da degradação ambiental, de processos de desertificação e das mudanças climáticas, o Brasil não pode se descuidar da conservação de suas florestas e outros tipos de ecossistemas naturais como campos, cerrados, caatingas, manguezais.

Graças a enormes esforços coletivos de governos, da sociedade e do setor privado, conseguimos avançar significativamente na conservação nas últimas décadas, com a expansão e consolidação das áreas protegidas previstas na Constituição Federal de 1988.

Os principais instrumentos para isso têm sido o Sistema Nacional de Unidades de Conservação - SNUC (Lei 9.985 de 2000), a revisão e consolidação das Áreas de Preservação Permanente e Reservas legais (Lei 12.651 de 2012) e a demarcação das Terras Indígenas e Territórios Quilombolas.

Neste contexto, é preocupante a pressão de alguns setores contra as áreas protegidas que se materializam em votações de propostas no Congresso Nacional, inclusive de Medidas Provisórias (MPs) que ameaçam fragilizar ou mutilar unidades de conservação, frequentemente para atender a interesses privados de enriquecimento a custo da grilagem de terras públicas.

Isto põe em risco todo o recente esforço brasileiro para reduzir o desmatamento e degradação das florestas e outros ecossistemas, a credibilidade internacional do país e o acesso dos produtos brasileiros aos mercados externos, além de ameaçar o futuro dos brasileiros ao expor nossa população a crescentes vulnerabilidades ambientais.

Ao contrário, seria importante, neste momento, o apoio de todos os setores aos esforços do Ministério do Meio Ambiente e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade pela criação de novas unidades de conservação para cobrir importantes lacunas geográficas do SNUC.

A legislação nacional prevê que unidades de conservação só podem ser modificadas ou suprimidas por lei com ampla oportunidade de consulta à sociedade brasileira. Propostas legítimas de modificação de unidades de conservação para atender a demandas de interesse coletivo nacional, como a passagem de uma ferrovia, devem necessariamente ser feitas mediante projeto de lei e apropriadas medidas de compensação ambiental.

Nesta quarta-feira (16/8), o Supremo Tribunal Federal (STF) julga, entre outras ações diretas de inconstitucionalidade (ADI) ligadas aos direitos das comunidades quilombolas e dos povos indígenas, a ADI 4717, que trata da alteração dos limites dos parques nacionais da Amazônia, dos Campos Amazônicos e Mapinguari, das florestas nacionais de Itaituba I, Itaituba II e do Crepori e da Área de Proteção Ambiental (APA) do Tapajós, trazidas pela MP 558/2012.

Outra ação trata da pretensa inconstitucionalidade da criação de unidades de conservação via decreto.

Esperamos que o STF saberá defender os interesses da coletividade e os preceitos da Constituição Federal.

O uso de MPs para alterar os limites e categorias de unidades de conservação coloca em xeque o conjunto dessas áreas, pois será visto como um convite para que se invadam mais delas.

PARTICIPAÇÃO

BRAULIO DIAS é professor de ecologia na Universidade de Brasília e ex-secretário executivo da Convenção da ONU sobre Diversidade Biológica

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