Folha de S. Paulo


Paulo José Iász de Morais

Não houve perseguição a Lula

Eduardo Anizelli/Folhapress
Manifestantes, centrais sindicais e movimentos sociais realizam ato em defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva contra sua condenação
Manifestantes, centrais sindicais e movimentos sociais realizam ato em defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva contra sua condenação

Apoiadores do ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva afirmam que sua condenação em primeira instância no âmbito da Operação Lava Jato foi movida por interesses políticos, uma vez que o réu estaria sendo alvo de perseguição jurídica. É essa a tese, aliás, utilizada por sua defesa nos processos.

Antes de analisar a sentença em si, é preciso fazer um esclarecimento: o Judiciário não é palco para disputas políticas. Excessos de ambos os lados devem ser evitados.

Assim como aliados do ex-presidente se queixam do encaminhamento dado ao caso, pode-se também debater se Lula não adotou uma postura de candidato a cargo público em pronunciamentos sobre os processos a que responde.

Dito isso, é de bom tom adiantar que a sentença que condenou Lula pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro foi baseada, exclusivamente, em material produzido no processo, no qual houve espaço para ampla defesa.

Assim, ao nosso entender, a tese de perseguição política não encontra qualquer respaldo ou fundamento. A singela leitura da sentença, que está disponível ao grande público, mostra que ela resultou de esmerada análise das provas constantes do processo.

De início, cumpre observar que a defesa do ex-presidente se utilizou de procedimentos processuais questionando a isenção e imparcialidade do juiz Sergio Moro e de membros do Ministério Público Federal.

Todos os argumentos foram rechaçados, muitos deles por unanimidade, pelos desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, responsáveis por analisá-los.

Além disso, o próprio ex-presidente chegou a dar declarações nas mídias, conforme consta da sentença, sugerindo que, caso retomasse o poder, eventualmente poderia mandar prender os agentes da lei "pelas mentiras que eles contam".

Tal postura é de todo inadequada. Só pode ser entendida num contexto de propaganda (ou campanha) política, quando se tem por objetivo e estratégia desqualificar o adversário, ao invés de refutar seus argumentos.

Durante o processo, que ficou conhecido como o "caso do tríplex", diversas testemunhas confirmaram que o apartamento 164-A, do condomínio Solaris, em Guarujá (SP), estava reservado para Lula e sua família, sem que estes tenham pago pelo imóvel.

As testemunhas ouvidas informaram que o ex-presidente e sua família chegaram a visitar o apartamento mais de uma vez, e que, à primeira vista, não gostaram dele. Assim, a empresa responsável efetuou reformas, visando adequá-lo ao gosto de Lula. Em nenhum momento o líder petista ou sua família questionaram o valor da reforma ou quem pagaria por ela.

Dessa forma, restou provado que não era praxe da construtora modificar os imóveis apenas para que fossem colocados à venda, sendo a referida reforma considerada como "de personalização", ou seja, um benefício direto e indevido ao ex-presidente.

Além disso, o tríplex não foi colocado à disposição de outros compradores, nem sequer para visitação, razão pela qual Moro considerou, baseado em provas documentais e testemunhais, que Lula era o proprietário de fato, assim como avaliou que a ocultação de sua titularidade era ato de lavagem.

O próprio ex-presidente deu declarações contraditórias sobre o tema, na Polícia Federal e na Justiça.

Portanto, longe da discussão político-partidária, descabe falar em perseguição política, uma vez que a sentença foi baseada, como dito, nas provas produzidas nos autos.

Por seu turno, o meio jurídico para manifestar o inconformismo será pelo recurso processual adequado -ou seja, a apelação-, de nada adiantando ao sentenciado tentar trazer a discussão para o ambiente político-eleitoral.

PAULO JOSÉ IÁSZ DE MORAIS, advogado criminalista, é conselheiro e presidente da comissão de monitoramento eletrônico de detentos da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção de São Paulo

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