Folha de S. Paulo


editorial

Partido da ciência

Daniel Leal-Olivas-22.abr.2017/AFP
A protestor holds a placard as scientists and science enthusiasts participate in the 'March for Science' which celebrates the scientific method, in Westminster, central London on April 22, 2017, Earth Day. Thousands of people rallied in support for science in Europe and Australasia on April 22, ahead of a march in Washington, triggered by rising concern over populism and so-called alternative facts. / AFP PHOTO / Daniel LEAL-OLIVAS
Manifestante segura cartaz na Marcha pela Ciência de Londres, no Reino Unido

Por surpreendente que pareça a afirmação no século 21, cientistas do planeta se declaram acuados.

Da perspectiva global, o mal-estar gira em torno de Donald Trump e seu desprezo pelos fatos, tendo como símbolo o ceticismo do presidente norte-americano quanto ao aquecimento global.

Tal visão se materializa em cortes de verbas para órgãos científicos e ambientais, além da decisão de abandonar o Acordo de Paris —assinado em 2015 para conter a emissão de gases do efeito estufa.

Não restrita a círculos governamentais, a visão anticientífica encontra eco na sociedade. Mesmo não revelando maiorias, impressionam certos percentuais registrados pelo Centro de Pesquisas Pew entre adultos dos Estados Unidos.

São 22% os que confiam pouco ou nada em cientistas quando se trata de informações a respeito das causas das mudanças climáticas.

Com grupos antivacina propagando disparates na internet, 10% dos americanos julgam que os riscos da imunização são maiores que seus benefícios. Fora isso, adversários da teoria da evolução natural cobram o ensino de criacionismo nas escolas.

O contrassenso de tais manifestações de descaso pelos fatos em uma era de informações abundantes tem mobilizado os cientistas, em particular nos EUA.

Assim o demonstraram, em abril, marchas em defesa da ciência ocorridas em 600 cidades de 60 países, entre eles o Brasil.

Em entrevista a esta Folha, Fraser Stoddart, um dos vencedores do Prêmio Nobel de Química em 2016, externou sua inquietação com o que chamou de "volta no tempo" e cobrou maior engajamento científico de seus colegas.

No Brasil, representantes do setor discutem a criação de um partido político para ampliar sua voz. Um dos temas mais salientes é a perda de recursos orçamentários, ainda mais depois da fusão, no governo Michel Temer (PMDB), dos ministérios da Ciência e Tecnologia e das Comunicações.

Nesse ponto, causa preocupação que a pesquisa e a inovação no país continuem a depender substancialmente de organizações estatais.

Merecem estímulo as iniciativas que amplifiquem a influência do saber científico no debate público —de preferência, não por meio da criação de uma enésima legenda partidária. Sem prejuízo da ampla liberdade de opinião e expressão, reforços nas fileiras contrárias ao obscurantismo são bem-vindos.

editoriais@grupofolha.com.br


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