Folha de S. Paulo


editorial

Cotas falhas

Moacyr Lopes Junior/Folhapress
Candidatos comemoram aprovação na USP em um cursinho na avenida Paulista
Candidatos comemoram aprovação na USP em um cursinho na avenida Paulista

Há muito de ilusório no que comumente se chama de meritocracia. Uma grande capacidade intelectual, por exemplo, pode estar mais associada à loteria genética do que a esforços pessoais. O decisivo entorno familiar e cultural também se subordina ao acaso.

Tais noções, mais o valor da multiplicidade cultural e de experiências, reforçam a ideia de que é legítimo e desejável tornar as universidades públicas mais diversas e, nesse processo, contribuir para que estratos socialmente prejudicados se emancipem.

Mais importante instituição de ensino superior do país, a USP por anos resistiu à adoção de ações afirmativas. Cedeu agora às pressões e implantará cotas sociais e raciais, conforme deliberação de seu Conselho Universitário.
Metade das vagas será destinada à ampla concorrência; as demais serão reservadas a estudantes oriundos da escola pública, com critérios de diversidade racial.

A introdução do sistema será paulatina. Neste ano, 37% dos ingressantes na universidade paulista vieram da rede pública. O percentual deve aumentar ano a ano, até 50% em 2021.

Esse contingente deverá refletir a proporção de pretos, pardos e índios na população do Estado, que é de 37%. Dessa maneira, 18,5% dos alunos da USP serão selecionados a partir desse método, ao final do período de implementação.

Esta Folha lamenta o modelo adotado. Aqui se defende há tempos que o critério para ingresso especial nas universidades seja exclusivamente social.

Renda, ao contrário de cor, é algo objetivamente mensurável. Além do mais, dada a estreita correlação entre pobreza e pele mais escura, os negros também estariam dessa maneira contemplados.

Tal política evitaria ainda a proliferação das infames comissões de classificação racial, que evocam alguns dos piores momentos da humanidade. Parece mera questão de tempo a demanda por colegiados desse tipo na USP, para combater "fraudes" na autodeclaração -como se isso fosse logicamente possível.

No mais, não faz sentido sustentar que uma família branca tão carente quanto uma negra não deva receber o apoio do poder público apenas devido a sua cor.

Para a meta de buscar uma sociedade mais igualitária, há um debate relevante e infelizmente negligenciado na agenda pública. Trata-se da cobrança de mensalidades dos alunos cujas famílias tenham condições de pagá-las.

Hoje os impostos incidentes sobre todos, incluindo os mais pobres, financiam a formação de pessoas que, se já não figuram entre as mais ricas, tenderão a alcançar renda acima da média apenas por conseguirem título universitário.

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