Folha de S. Paulo


Marcelo Crivella

O Brasil é o que é porque todos o fizemos assim

O ato extremo da hipocrisia é culpar os outros por pecados que todos temos. Por omissão ou ação, o Brasil é o que é porque todos o fizemos assim.

É interessante ler o artigo "Mortalha", publicada nesta Folha, em que Fernanda Torres culpa a classe política, ou o andar de cima, pela enchente do Rio de Janeiro, pelo engarrafamento de trânsito ou pela ausência dele.

Na sua fúria, chega a comparar os bilhões da corrupção investigados pela Lava Jato ao prefeito capaz de fugir de um acidente sem prestar socorro à vítima, como se tudo fosse a mesma coisa.

O temporal que caiu no Rio no dia 20 de junho foi o maior desse mês nos últimos 20 anos. Coincidiu, infelizmente, com a maré alta, o que dificultou em muito o escoamento.

O alto nível de impermeabilização do solo urbano leva, inevitavelmente, a essas tragédias, cada vez mais comuns nas grandes cidades -São Paulo, nossa maior metrópole, no último verão sofreu muito mais do que nós.
Mas não é só isso, há o excesso de lixo jogado nas ruas por pedestres desavisados, além das folhas, enormes, caídas de nossas centenárias amendoeiras.

A colisão automobilística a que a autora se refere foi, na verdade, um mero esbarrão de pneus. A calota do veículo, para se ter uma ideia, nem chegou a cair. De tão irrelevante, só tomei conhecimento do caso quando, já tendo chegado ao destino, o motorista contou-me tudo.

Todos sabemos que a imprensa, na pressa do mundo digital, nem sempre apura com rigor ou recolhe provas. Onde estão a perícia, as fotos do acidente, o boletim de ocorrência, o laudo de corpo de delito? A tal vítima abandonada teria sido a calota?

Passei dez anos, com minha família, nos países mais pobres da África, em meio à hecatombe da Aids. Quando voltei ao Brasil, construí no sertão da Bahia, com o investimento de R$ 20 milhões de meus direitos autorais, a Fazenda Nova Canaã. Lá, há quase 20 anos, centenas de crianças são educadas em horário escolar integral.

No Rio, também nunca fugi à luta. Enfrentei sozinho quatro eleições contra o poderoso PMDB, hoje mergulhado na sua pior crise.

Política é enfrentar sem tréguas as vicissitudes quotidianas da nossa sociedade desigual e injusta. É contrariar interesses estabelecidos, suplantar as maquinações do ódio impenitente, suportar críticas, humilhações, injúrias, menosprezo, calúnias e, ainda assim, encontrar forças para cumprir um expediente de domingo a domingo, sob acusações cruéis dos que nos lançam cargas pesadas, sem que, no entanto, disponham-se a ajudar a resolver os problemas.

Aproveito este espaço para esclarecer a opinião pública sobre histórias mal contadas publicadas nos últimos seis meses.

Não moro no Palácio da Cidade e nunca tive a intenção de construir um muro de R$ 2 milhões para protegê-lo; não tenho câncer na próstata; meu filho não é formado em "psicologia cristã" -curso que, aliás, nem existe, de forma que não poderia receber R$ 10 mil da prefeitura, como disseram alguns boatos.

Meu filho é formado em Oxford (Reino Unido), faz mestrado na Fundação Getulio Vargas FGV e hoje é consultor da ONU no Brasil.

Também é importante dizer que nunca fiz culto no Palácio da Cidade e que a viagem oficial à Rússia foi "combinada com os russos".

A prefeitura não cortou a verba do Carnaval. A crise impôs suspender o abono do ano passado para direcionar esses recursos às creches.

Não nomeei sócio de minha filha e não acomodei evangélicos nas superintendências.

Não abri mão de R$ 70 milhões do ISS para as empresas de ônibus. Foi no governo anterior que isso ocorreu. No meu, proibi o aumento da passagem.

A prefeitura não vai financiar o filme sobre o bispo Edir Macedo.

E, de uma vez por todas, não nego a minha fé, mas a prefeitura não tem religião.

PS: A Igreja Universal completa 40 anos no dia 9 de julho. Parabéns!

MARCELO CRIVELLA é prefeito do Rio de Janeiro. Foi senador e ministro da Pesca e Aquicultura (governo Dilma)

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