Folha de S. Paulo


Editorial

Criminalização do refil

Em seu afã de contribuir para equilibrar a alimentação do brasileiro, o Ministério da Saúde por vezes se excede na promoção de políticas —para não dizer patrulhas— do nutricionalmente correto.

Parece ser esse o caso da indigesta proposta de banir de algumas redes de restaurantes a prática de repor de graça o refrigerante consumido pelo freguês. Disseminado em fast-foods dos Estados Unidos, pátria da obesidade galopante, tal incentivo ao consumo exagerado chegou ao Brasil.

Não se pode dizer, contudo, que a oferta tenha o peso de um problema de saúde pública. O próprio ministro Ricardo Barros informa a estimativa de que existam no país cerca de mil locais a adotar o chamado refil; só a cidade de São Paulo tem cerca de 15 mil restaurantes.

Não soa justificável, portanto, que o poder público se preste a tamanha interferência paternalista numa relação de consumo. Comerciantes e clientes adultos devem escolher livremente o que vender e ingerir, quando e como.

Na mesma linha vai a cogitada proibição de saleiros nas mesas dos estabelecimentos. Embora haja países que adotaram tal norma, há alternativas menos draconianas para atingir os mesmos objetivos.

Seria insano negar que o açúcar e o sódio em excesso fazem mal à saúde, contribuindo para moléstias como hipertensão e diabetes. Faz bem o ministério em desestimular seu abuso, mas deveria limitar-se a campanhas de esclarecimento e a acordos negociados com fabricantes de alimentos.

De resto, é o que já se faz, e com sucesso. Após entendimento da pasta com a Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia), os brasileiros deixaram de consumir entre 2008 e 2016 um total de 17 mil toneladas de sódio.

Um exemplo: em 2012, um quilo de mozarela continha seis gramas de sódio; em 2016, após redução de 23%, eram 4,6 gramas.

O ministro quer ampliar o acordo voluntário para incluir o veto ao refil, como se noticiou na terça-feira (13). Mas afirma também que, se não obtiver sucesso, enviará projeto de lei ao Congresso criminalizando a reposição de refrigerante.

Além de afrontar o princípio da razoabilidade (são apenas mil restaurantes), é duvidoso que a medida se justifique até sob o ângulo da economicidade: não há evidências de que obesos custem mais para o sistema público de saúde do que pessoas magras e saudáveis, como reza o senso comum.

Neste caso, o papel do governante é orientar o público, e não tratá-lo como se fosse incapaz de pensar e decidir com a própria cabeça.

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