Folha de S. Paulo


editorial

Lapso vacinal

Um dos feitos da civilização contemporânea foi ter proporcionado um expressivo aumento da longevidade da população mundial. No início do século 20, a esperança de vida ao nascer, considerando homens e mulheres, era de apenas 31 anos; em 2015, chegou a 71,7 anos.

Essa notável conquista se deveu principalmente à brutal redução na mortalidade infantil, que despencou da casa das duas centenas por mil nascidos vivos para cerca de 30 dezenas, na média mundial.

Não mais que duas medidas de alto impacto explicam a maior parte dessa queda: o saneamento básico e a vacinação em massa.

Causa preocupação, portanto, a notícia de que a adesão dos brasileiros a vacinas está caindo. Como mostrou reportagem da Folha, a campanha contra a poliomielite atingiu, no ano passado, 84% da cobertura, o menor índice da década. A meta era alcançar 95% do público-alvo.

Só não houve maiores danos porque o Brasil não registra casos de pólio desde os anos 1990. Ainda assim, como o vírus continua a circular em partes da África e da Ásia, a vacinação precisa ser mantida para evitar a reintrodução da doença no país, o que poderia acarretar consequências terríveis.

Também em 2016, quase 25% das crianças que deveriam ter completado o esquema da tríplice viral (que protege contra sarampo, caxumba e rubéola) deixaram de fazê-lo. Tal ausência inspira maior apreensão, uma vez que essas moléstias, ao contrário da pólio, ainda irrompem pelo país na forma de surtos.

A boa notícia é que a baixa na imunização no Brasil parece ter como causa principal um certo descuido dos pais —que acabam dando a primeira dose, mas não levam a criança para receber os reforços necessários—, e não a influência de movimentos antivacinais.

No primeiro caso, o lapso parental pode ser enfrentado com campanhas de esclarecimento; quanto ao segundo, tratando-se de ideologia, a batalha é muito mais difícil.

Observa-se, em países desenvolvidos como os EUA e o Reino Unido, um alarmante crescimento de grupos que advogam o boicote à imunização, a ponto de configurar ameaça à saúde pública.

É espantoso que, a despeito dos inegáveis avanços que proporcionaram à humanidade, as vacinas venham a ser contestadas por grupos instruídos das nações mais ricas, com base apenas em lendas e teorias pseudocientíficas, já cabalmente refutadas por pesquisas de melhor qualidade.

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