Folha de S. Paulo


GUILHERME AFIF DOMINGOS

Favela Mais

Nada, nem ninguém, contou melhor a vida e o drama das favelas brasileiras do que o nosso próprio samba. A rotina, os problemas, a alegria das comunidades -tudo foi eternizado por belas letras, como a de Arlindo Cruz:

"O povo que sobe a ladeira ajuda a fazer mutirão/ Divide a sobra da feira e reparte o pão, reparte o pão/ Como é que essa gente tão boa, é vista como marginal/ Eu acho que a sociedade está enxergando mal", diz a letra da canção "Favela".

Somente quem já andou, ou vive, numa favela sabe que ali estão pessoas que tocam seu próprio negócio. À margem dos governos e da lei, funcionam freneticamente mercearias, salões de beleza, borracharias, uma infinidade de serviços e vendas. É o verdadeiro empreendedorismo de massa que precisa ser reconhecido formalmente.

Um barreira dificultava isso: a maioria dos estabelecimentos é irregular, em terrenos e casas sem escritura. Isso impedia que prefeituras e Estados reconhecessem os negócios. Com muito esforço, batalhamos pela atualização da Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas e conseguimos mudar essa realidade.

Agora em maio, o Sebrae -em parceria com a Central Única das Favelas (Cufa), o Ministério do Desenvolvimento Social e a Prefeitura de São Paulo- dará o pontapé inicial no Favela Mais, um projeto inovador que pretende transformar em MEI (microempreendedores individuais) as pessoas que trabalham por conta própria nas favelas.

A proposta prevê aplicação do programa Super MEI, lançado em parceria com o Sebrae-SP, que oferece cursos profissionalizantes.

Segundo o IBGE, são mais de 16 milhões de pessoas que residem nessas comunidades. Cerca de 40% gostariam de ser "donos de seus próprios narizes", conforme pesquisa do Data Favela, com apoio do instituto de pesquisa Data Popular e da Cufa.

Para muitos moradores, o empreendedorismo é um mecanismo de inclusão, de geração de renda e de realização profissional. Além disso, este conjunto movimenta algo em torno de R$ 80 bilhões na compra de produtos e serviços, segundo estes institutos.

Para que isso aconteça, porém, é preciso respeitar a cultura local, o modo de viver dessas comunidades. O Sebrae, em conjunto com a Cufa e as esferas de governo, vai conversar com essa população por meio de seus próprios canais -as redes sociais, as rádios e os comunicadores das favelas. São eles que vão convocar os moradores para se inscreverem como MEIs, com orientação, consultoria e microcrédito.

Com menos burocracia, o Favela Mais vai começar pelas comunidades paulistanas de Heliópolis e Paraisópolis. Depois, Rio de Janeiro e as demais capitais e cidades que possuem esse tipo de ocupação.

O programa vai ligar várias pontas: promover a capacitação de empresários locais, integrar entidades representativas da comunidade, incentivar o empreendedorismo e a formalização das empresas.

Temos ainda uma grande novidade. A parceria com o Ministério do Desenvolvimento Social vai permitir que os beneficiários do Bolsa Família possam encontrar no empreendedorismo uma porta de entrada para a autossustentabilidade.

Pesquisa da Fundação Perseu Abramo mostrou que a população da periferia de São Paulo deseja ser empreendedora. Utiliza como justificativa os ideais de não ter mais patrão, ter mais flexibilidade para gerir seu tempo, poder abrir o próprio negócio para trabalhar em casa, além da possibilidade de deixar patrimônio e herança para a família.

É para ajudar a realização desses sonhos que o Sebrae tomou a iniciativa do Favela Mais. Mais empresas, mais empregos, mais inclusão, mais qualificação.

GUILHERME AFIF DOMINGOS é diretor-presidente do Sebrae Nacional. Foi ministro-chefe da Secretaria da Micro e Pequena Empresa (governo Dilma Rousseff) e vice-governador do Estado de São Paulo (governo Geraldo Alckmin)

PARTICIPAÇÃO

Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br


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