Folha de S. Paulo


Paulo Sérgio Pinheiro

Fim da linha

Quando imaginávamos que a crise infinita assombrando o país já havia atingido proporções avassaladoras, as revelações vindas das gravações da JBS elevam a tensão a outro patamar.

A participação pessoal do presidente Michel Temer em conversa que sugere pagamento de mesada para comprar o silêncio de Eduardo Cunha não apenas oferece prova de obstrução de justiça como confirma um quadro de putrefação absoluta da coalizão que nos governa.

De brinde, recebemos também a informação de que um dos maiores líderes da base de sustentação do governo, o senador Aécio Neves (PSDB), solicitou e recebeu R$ 2 milhões em espécie do empresário Joesley Batista, dono do frigorífico JBS, para pagar sua defesa na Operação Lava Jato.

No decorrer das investigações, Aécio foi afastado de suas atividades parlamentares pelo STF e se licenciou da presidência do PSDB. A irmã e um primo do senador foram presos pela Polícia Federal.

Os membros do consórcio governista que atuavam como prestimosos paus-mandados dos lobbies econômicos perdem por completo sua já fímbria legitimidade. A crise não apenas exige a remoção de Temer do governo como a convocação imediata de eleições para o Executivo.

A aventura do impeachment urdido sob a batuta de Temer e Cunha, em colaboração com largas parcelas do PMDB e PSDB e financiamento da nata da elite econômica, cobra agora seu caríssimo preço.

A implosão do tênue equilíbrio entre forças progressistas e os setores mais retrógrados -e frequentemente criminosos- no Legislativo afetou gravemente a democracia e o Estado de Direito no Brasil.

Basta observar o agravamento de conflitos entre agricultores e indígenas nos últimos dias para notar que o governo federal, no mínimo, aceita silenciosamente a violência pura e simples.

Nas cidades, as polícias atacam com gás de pimenta e balas de borracha manifestantes pacíficos. Habitantes negros das periferias das metrópoles vivem sob um apartheid de fato assegurado pelas forças repressoras.

Está mais claro do que nunca que os devaneios sobre as reformas trabalhista e previdenciária -construídas sem a participação da sociedade civil, em gabinetes protegidos por agentes de segurança, urdidas apenas por congressistas e empresários- têm que parar.

O desmantelamento das conquistas da Constituição de 1988 e da política de Estado dos direitos humanos, promovido de forma acelerada pelo governo, deve ser interrompido.

Neste momento trágico e único de nossa história republicana, é imperativo a construção de aliança acima das divergências menores entre as forças democráticas capazes de sustentar a delicada travessia para a legitimidade. Para começo de conversa, precisamos viabilizar eleições diretas. Não há tempo a perder.

É inaceitável que aceitemos, para evitar abalos econômicos, um governo comprometido com a corrupção. É grotesco imaginar ser sustentável a condução de qualquer plano de reformas, por mais milagroso que pareça, por um bloco no poder que atua não somente de costas para a humanidade mas também à revelia da lei.

Os estragos causados na institucionalidade e no Estado de Direito têm de ser estancados. Chegamos ao fim da linha.

PAULO SÉRGIO PINHEIRO foi secretário de Estado de Direitos Humanos (governo FHC). Preside a Comissão da ONU de investigação sobre a Síria

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