Folha de S. Paulo


Guilherme Alpendre

Lei de Acesso para o Brasil de amanhã

A Lei de Acesso à Informação, em vigor há cinco anos, já fez história no Brasil. Revelou à sociedade que a revista vexatória, prática imposta às visitantes em presídios, é, além de humilhante, ineficaz.

Trouxe à luz contratos da Sabesp que previam benefícios a grandes consumidores de água em meio à maior seca registrada no Estado de São Paulo.

Expôs a lista de empresas e pessoas que submeteram trabalhadores a situações análogas às de um escravo. Mostrou que 1 em cada 4 pessoas assassinadas em 2015 na capital paulista foi morta pela polícia.

No entanto, na avaliação conjunta de Abraji, Artigo 19, Conectas Direitos Humanos e Transparência Brasil, esse momento enseja uma reflexão crítica sobre suas fragilidades.

Desde que o projeto de lei começou a tramitar, essas entidades alertaram para a importância de um órgão nacional independente e especializado, com poder para implementar e fiscalizar o cumprimento da Lei de Acesso em todas as esferas e níveis de poder.

Sem essa autoridade, confirmou-se o pior. No nível estadual, há secretarias avessas à transparência (destaque para o Rio de Janeiro e para todas as secretarias das áreas de segurança pública e administração penitenciária).

No municipal, há lugares em que a Lei de Acesso é ignorada. Sem mencionar a falta de transparência do Judiciário: o Poder foi considerado o menos transparente em sucessivos levantamentos realizados pela organização Artigo 19.

O uso indiscriminado das exceções previstas na norma para negar informações coloca em risco o próprio espírito da iniciativa.

Os órgãos de segurança pública e administração penitenciária não raro lançam mão do argumento de proteção da sociedade e do Estado para negar detalhar suas operações.

O Ministério das Relações Exteriores se apoia no sigilo de dados que impactam negociações internacionais para limitar acesso a documentos referentes à política externa brasileira.

Por fim, a lei abre espaço para negativas de acesso por trabalho adicional, o que dá alto grau de discricionariedade aos servidores. Há casos de órgãos que nem sequer produzem os dados a respeito de suas atividades.
Isso mostra a urgência de se investir em recursos humanos, financeiros e materiais para a gestão da informação. Do contrário, sempre será "trabalho adicional" produzir ou compilar dados.

O sigilo de informações pessoais, frequentemente alegado pela administração, não se estende a quem fez os pedidos de acesso.

Em muitos órgãos, a solicitação circula por diferentes setores com o nome do requerente. Quando estes últimos são jornalistas ou defensores de direitos humanos, as consequências podem ser graves.

Por acompanharem sistematicamente determinados setores, terminam conhecidos dos funcionários e podem ser alvo de questionamentos ou mesmo ameaças.

A lei, no entanto, avançou em alguns setores e garantiu o acesso a informações previsto na Constituição.

O jornalismo profissional aprendeu a usá-la em seu favor, contribuindo para aproximar cidadãos da administração.

Academia, organizações da sociedade civil e movimentos sociais têm incorporado a Lei de Acesso à Informação como ferramenta na garantia de direitos humanos. Agora é preciso trabalhar para aprimorar sua implementação e evitar retrocessos no que já foi conquistado.

GUILHERME ALPENDRE é diretor-executivo da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo)

PARTICIPAÇÃO

Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br


Endereço da página:

Links no texto: