Folha de S. Paulo


editorial

Trump contra o FBI

A demissão de James Comey do cargo de diretor do FBI gerou uma crise política que não estava nos cálculos da Casa Branca. Na terça (9), quando surpreendeu a todos com sua decisão, o presidente Donald Trump parecia confiar que seria poupado por seus opositores.

Tal suposição baseava-se no fato de que Comey, durante anos filiado ao Partido Republicano, fora acusado de prejudicar a então candidata democrata Hillary Clinton na eleição do ano passado.

A menos de duas semanas do pleito, o FBI reabriu o caso dos e-mails enviados de maneira imprópria por Hillary quando ocupava o posto de secretária de Estado.

Poucas horas antes do afastamento de Comey por Trump, o órgão havia admitido que cometera erros naquele episódio —que o Partido Democrata considerou decisivo no resultado eleitoral.

Trump viu no mea-culpa da polícia federal uma oportunidade para fazer o que, possivelmente, já cogitava há algum tempo: destituir o diretor do FBI que investigava relações de assessores do republicano com representantes do governo russo com vistas a prejudicar a candidata adversária.

Alguns desses auxiliares assumiram postos no primeiro escalão da gestão Trump. Não tardou para que um deles, o general reformado Michael Flynn, fosse forçado a deixar o cargo de conselheiro de Segurança após revelações de que mentira sobre contatos com o embaixador da Rússia nos EUA.

A situação tornou-se ainda mais grave quando o secretário de Justiça, Jeff Sessions, também suspeito de manter ligações indevidas com o governo russo, decidiu que seu nome seria excluído das investigações.

O inquérito conduzido por Comey transformou-se, ao que parece, em efetiva preocupação para a Casa Branca —e não seria improvável que seus desdobramentos chegassem ao próprio presidente.

Na imprensa norte-americana, boa parte dela em oposição sistemática a Trump, chega-se a recordar o Watergate, escândalo que derrubou Richard Nixon em 1974.

O episódio por certo reanima as apreensões quanto às conhecidas tendências personalistas e autocráticas do republicano.

Que destino terá o inquérito do FBI ainda é uma incógnita. Não resta dúvida, porém, de que um presidente afastar um diretor da polícia federal encarregado de investigar seu governo não é um ato capaz de honrar as boas tradições da democracia norte-americana.

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