Folha de S. Paulo


LUIZA NAGIB ELUF

O presidente e as mulheres

No mundo de hoje, ninguém mais se sente no direito de manifestar opiniões preconceituosas. Nossa Constituição proíbe todas as formas de discriminação e equipara homens e mulheres em direitos e obrigações.

Não obstante, o presidente da República, Michel Temer, durante entrevista a um programa de TV, afirmou, referindo-se à crise fiscal pela qual passamos, que governos precisam ter marido, senão quebram.

É triste verificar que nosso presidente, apesar de sua inteligência política e de seu notável saber jurídico, não consegue reconhecer e respeitar os direitos das mulheres, referindo-se a elas como sendo incompetentes para cuidar das finanças.

Ao que tudo indica, na visão dele, mulheres só servem para cozinhar, lavar, passar e obedecer. O lugar delas seria em casa, no recato do lar, com o marido, e só.

Segundo essa visão de mundo, uma mulher sem marido não é capaz de prover sua subsistência, assim como governo sem "marido" quebra.

Tal raciocínio é esdrúxulo, descabido e fora da realidade; desqualifica toda a população feminina.

Dá a entender que as mulheres não possuem a mínima capacidade de produzir riqueza, condenadas que estão ao serviço doméstico e à imprescindível obediência. Não é a primeira vez que o presidente expõe tais ideias.

É lamentável que padrões patriarcais de dominação ainda sobrevivam na cabeça de qualquer homem; quando se trata do presidente da República, a situação é ainda mais vergonhosa.

Precisamos explicar ao nosso comandante máximo, com todo o respeito, que esse pensamento retrógrado, porém teimoso, transformou o país em campeão mundial de violência doméstica, com um espancamento de mulher a cada dez minutos, um estupro de mulher a cada 11 minutos, um assassinato de mulher a cada duas horas, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Por causa dessa realidade aviltante, o movimento pela igualdade de gênero e pelo fim de todas as formas de discriminação se agigantou em nosso país e conscientizou um grande número de pessoas, fazendo com que os partidos políticos passassem a falar das mulheres nas propagandas institucionais com muita ênfase, demonstrando que o voto feminino está fazendo a diferença nas eleições.

São muitas as mulheres sem marido que realizam excelente trabalho no mundo todo. Ocupam cargos de alta relevância no setor privado e no setor público.

Palavras nunca são apenas palavras; elas surtem efeitos que podem ser profundos quando pronunciadas por ocupantes de altos cargos públicos.

Palavras formam opinião, criam e destroem valores, estimulam a paz ou a guerra, ajudam um país a se desenvolver de maneira sadia ou maculado por preconceitos.

LUIZA NAGIB ELUF é advogada. Foi Procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo e secretária nacional dos direitos da cidadania do Ministério da Justiça (governo FHC). É autora de sete livros, dentre os quais "A Paixão no Banco dos Réus"

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