Folha de S. Paulo


editorial

Cerco à Funai

A rumorosa demissão de Antonio Fernandes Costa do comando da Fundação Nacional do Índio (Funai), na sexta-feira (5), escancarou o conflito que se desenrola no órgão encarregado de zelar pela minoria mais vulnerável do país.

Indicado pelo minúsculo PSC e subordinado ao ministro da Justiça —o deputado ruralista Osmar Serraglio (PDMB)—, Costa afirmou que, além da falta de verbas orçamentárias, ingerências políticas vinham cerceando sua gestão.

Mais diretamente, acusou Serraglio de ser "ministro de uma causa", a do agronegócio.

O arroubo retórico não deixa de ter fundamento. Se é verdade que o governo Michel Temer (PMDB) promove uma revisão ideológica geral das políticas públicas, esse movimento mostra-se particularmente intenso —chegando às raias do excessivo— quando se trata de interesses do setor agrícola.

Afora seu viés pró-mercado, que por vezes responde de forma estouvada aos múltiplos erros do estatismo petista, a administração ancora-se nas relações com o Congresso, onde a bancada ruralista talvez seja a força mais organizada.

No caso da Funai, diga-se, os problemas já vinham do governo Dilma Rousseff (PT), quando a atenção dada ao setor não satisfazia a demanda dos militantes.

Sob Temer, recrudesceram as pressões contra a demarcação de terras indígenas, enquanto a escassez geral de recursos não poupou, obviamente, a Funai.

Prestes a completar meio século de existência, a fundação, à qual cabe supervisionar 13% do território brasileiro, sofre com a depauperação de seu orçamento.

São pouco menos de R$ 550 milhões autorizados neste ano, 19% abaixo do desembolso de 2013 (considerada a inflação). O governo federal gasta mais, por exemplo, com o tradicional Colégio Pedro 2º, no Rio de Janeiro, que disporá de R$ 650 milhões em 2017.

Some-se a isso a indefinição administrativa recente. O presidente demitido durou pouco mais de cem dias no posto. Antes dele, o comando esteve nas mãos de interinos.

Como se não bastasse, a autarquia foi alvo de uma CPI, também controlada por ruralistas, que chegou a recomendar sua extinção, em relatório ainda não aprovado.

Nesse contexto, episódios como o covarde ataque a índios gamelas no Maranhão serão debitados na conta do governo. Este deve pacificar a Funai não apenas por questões de imagem, mas para ter condições de arbitrar o choque inevitável de interesses conflitantes.

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