Folha de S. Paulo


editorial

Confiança e controle

A pesquisa científica depende da confiança entre seus praticantes. De cada artigo publicado se espera que traga informações verdadeiras e originais; como nem sempre é o caso, algum controle se impõe.

Quando um cientista apresenta dados falsificados, induz colegas a perder tempo e verbas na tentativa de reproduzir os resultados. No Brasil, desperdiça-se com tais fraudes o dinheiro do contribuinte, pois a maioria dos estudos é financiada pelo governo.

Cabe saudar, portanto, a nova medida da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo para asfixiar a má conduta científica. Depois de lançar em 2011 um código de boas práticas e tornar públicos em 2014 cinco casos de desvios, a fundação recorre agora ao poder persuasivo do dinheiro.

A partir deste ano, a financiadora deixará de incluir de forma automática, no desembolso para projetos aprovados, o valor de 10% para melhorias de infraestrutura na instituição. Isso só ocorrerá quando elas dispuserem de setor de incentivo à integridade científica.

No ano passado, a rubrica de infraestrutura carreou R$ 56 milhões para centros de pesquisa paulistas. Embora anunciado há cinco anos que a exigência viria, até aqui só a Universidade Federal do ABC, segundo a Fapesp, abriu escritório de integridade no Estado de São Paulo.

Nos EUA, é rara a instituição que não conta com um órgão para inculcar na prática aquilo que deveria ser óbvio. A prevenção se impôs a partir dos anos 1990, quando começou a se tornar claro que as fraudes eram correntes.

Uma célebre revisão de estudos sobre má conduta realizada por Daniele Fanelli em 2009 indicou que 2% dos pesquisadores admitiam ter fabricado, falsificado ou modificado dados; falando de seus pares, 14% diziam saber que faziam o mesmo.

Há indicações, ainda, de que a desonestidade está em alta. Ao analisar 2.047 artigos cancelados entre 1975 e 2012, estudiosos da Faculdade de Medicina Albert Einstein (EUA) constataram que decuplicara o percentual de trabalhos "despublicados" por fraude.

Pior: só 21% das retrações ocorreram por erros menores; 67% se deviam a fraudes (43%), publicação repetida (14%) e plágio (10%).

Como dizem os alemães, e aqui já foi mencionado: confiança é bom, mas controle é melhor.


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