ESFORÇO PELA IMPUNIDADE
Com a pressa envergonhada daquele que sabe estar fazendo o errado, na última quarta-feira (26) o Senado aprovou proposta de criminalizar policiais, procuradores e juízes -na realidade, uma "lei de intimidação de autoridades", denominada astutamente de "lei de abuso de autoridade".
Trata-se de mais um capítulo da reação da classe política para salvar a si mesma e manter o sistema político-partidário como sempre foi.
Não se pode isolar esse fato das tentativas recentes do Congresso em criar leis que favoreçam políticos, diferenciando-os dos demais cidadãos. Lembremos da imoral repatriação de valores mantidos por elites econômicas e políticas no exterior -sem que o Ministério Público possa conhecer seus beneficiários-, da tentativa abortada de anistia da corrupção política e do assassinato da esperança popular no projeto das "dez medidas contra a corrupção".
Também não se pode isolar a reação da classe política da daqueles que "advogam" a libertação de presos na Lava Jato.
Liberar José Dirceu ou Antônio Palocci seria o definitivo escárnio com o desejo de mudança que a população mostra nas ruas desde 2013. Tudo está interligado.
O projeto de lei aprovado pelo Senado encontra-se, dessa forma, inserido no mesmo esforço pela impunidade. Apesar das mudanças, continua sendo um projeto de vingança dos políticos, na tentativa de se protegerem daquilo a que nunca se opuseram quando apenas os pobres eram submetidos a essa realidade.
Prisões preventivas, conduções coercitivas, buscas e apreensões, dentre outras medidas, nunca foram tão discutidas quanto hoje. Isso ocorre porque finalmente atingiram pessoas econômica e politicamente poderosas.
Um exército de ingênuos e pareceristas de aluguel secundaram multidões de advogados contratados a peso de ouro para se insurgir contra "abusos" de juízes e procuradores.
Abusa-se, aqui, é da inteligência da população. Essa lei proposta pelo réu Renan Calheiros e relatada entusiasticamente por Roberto Requião busca livrar os poderosos das conduções coercitivas, das prisões preventivas e do sequestro de bens.
Simplesmente defendê-los das investigações criminais. Não estão pensando nas vítimas da violência real de nossa periferia. Só lembram dela quando precisam de votos.
A perfídia do projeto está em fazer isso pela intimidação de juízes e procuradores. Os poderosos não se envergonham de sua desfaçatez. A intenção final dos acusados é prender seus acusadores.
Não seria mais relevante discutir, por exemplo, o abuso de autoridade dos congressistas em não abrir processos nas respectivas comissões de ética quando tantos são mencionados como vendilhões do poder dado a eles pelo povo?
Ou ainda discutir o abuso em desviar a finalidade das leis para beneficiar a si próprio ou a seus patronos?
O mais indicativo de tudo isso é a união de partidos díspares em torno de um projeto mal formulado e mal discutido. Quando PSDB, PMDB e PT se unem, só pode ser para tratar de assuntos que somente a eles interessam.
Onde estão as discussões acerca dos problemas reais do país, especialmente da corrupção, da impunidade, de um sistema político-partidário que se sustenta através de crimes?
O que podemos oferecer é nossa resistência contra o abuso dos legisladores. Continuaremos aqui, na Lava Jato, fazendo o nosso trabalho, sem olhar o partido ou o poder econômico do investigado, sem ter interesse outro que não seja realizar nossa missão constitucional de advogados da sociedade.
Quanto à população, agradecemos com nosso esforço e isenção o apoio que nos tem sido dado. No mais, a democracia falará em 2018.
CARLOS FERNANDO DOS SANTOS LIMA, mestre em direito pela Universidade Cornell (EUA), é procurador regional da República e integrante da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba
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