Folha de S. Paulo


Henrique Nelson Calandra, Ricardo Sayeg e Sergio Ricardo do Amaral Gurgel

Separando o joio do trigo

Os três últimos anos da vida política brasileira ficarão marcados pela historiografia como a era das crises institucionais.

Notícias diárias sobre escândalos envolvendo políticos e empresários fizeram com que a sociedade colocasse o combate ao crime do colarinho branco na lista de prioridades.

Em contrapartida, nesse pouco tempo de inquéritos e processos produzidos em larga escala já é possível perceber uma série de efeitos colaterais na economia nacional, em especial a quebra de inúmeras empresas e, por conseguinte, demissões em massa.

É preciso, agora, impedir que o futuro próximo não venha se caracterizar pelo colapso social.

O clamor pelo encrudescimento das ações que visam à erradicação do crime, especialmente no que diz respeito à corrupção, serviram de pano de fundo para a declaração de guerra aos grupos mafiosos.

Com a deflagração das medidas de repressão ao crime organizado, aos moldes das famosas operações Lava Jato e a mais recente Carne Fraca, muitos empresários já foram condenados e encarcerados, enquanto tantos outros respondem a procedimentos criminais.

Todavia, agora que o caminho capaz de nos conduzir à retomada da moralidade pública foi heroicamente revelado, surge a necessidade de conter determinados sintomas. Se não for realizada nenhuma ação para reverter esse cenário, o remédio para a cura da corrupção se tornará um verdadeiro veneno para a economia.

Quando sócios de uma empresa são delatados nos acordos de colaboração premiada ou por outro meio legal, a pessoa jurídica por eles administrada sofre sérios abalos estruturais.

Independentemente do conjunto probatório colhido nas investigações, o certo é que essas instituições, ao serem arroladas na persecução penal, perdem a credibilidade perante seus clientes e investidores, afetando todos os contratos em execução, enquanto outros deixam de ser firmados por força da insegurança estabelecida.

Se o infortúnio recaísse apenas sobre os investigados, nada mais justo. Todavia, os nefastos efeitos alcançam os cidadãos honestos que também integram a pessoa jurídica sob a mira da Justiça, considerando que a derrocada dos negócios da empresa representa a extinção da única fonte de sustento do trabalhador e de sua família.

As empresas que tiveram sócios abarcados em escândalos são vítimas imediatas dos crimes por eles praticados, enquanto os trabalhadores passaram à situação de extrema vulnerabilidade diante da iminência da perda do emprego.

O governo federal, por iniciativa do Congresso Nacional, dispõe das condições para mudar o quadro degenerativo da economia. Promover a proteção dos setores produtivos é conditio sine qua non para a governabilidade.

Nesse sentido, deve ser criada uma lei que tenha como base a adoção de cinco medidas fundamentais: 1- afastamento cautelar dos sócios relacionados às atividades criminosas praticadas em nome da pessoa jurídica; 2- nomeação de um interventor designado pelo juiz para dar prosseguimento às atividades da empresa; 3- estudo sobre o impacto econômico decorrente de possível quebra a ser elaborado por uma equipe técnica que emitirá parecer a ser considerado como condição de procedibilidade para as respectivas ações penais; 4- medidas de recuperação e inclusão da empresa no mercado e em igualdade de condições junto ao poder público; 5- prioridade de julgamento em todas as instâncias e tribunais.

Diante desse contexto, torna-se fundamental a formação de um grande pacto nacional em apoio às providências acima expostas. Os benefícios da atuação coesa das instituições poderão ser facilmente percebidos não apenas pelos especialistas mas também pelo cidadão comum que clama, assim como qualquer brasileiro, pelo bem-estar social.

HENRIQUE NELSON CALANDRA, desembargador, é especialista em direito empresarial, professor emérito da Escola Paulista da Magistratura e ex-presidente da Associação Paulista de Magistrados

RICARDO SAYEG, é advogado com pós-graduação na Université Paris-Sorbonne, professor de direito econômico da PUC-SP e presidente da Comissão de Direitos Humanos do IASP (Instituto dos Advogados e São Paulo)

SERGIO RICARDO DO AMARAL GURGEL é advogado, especialista em direito penal e processo penal e professor da pós-graduação da Faculdade Cândido Mendes

PARTICIPAÇÃO

Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br


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