Folha de S. Paulo


editorial

Mortos e feridos

Em seu detalhamento e convergência, o conteúdo das delações feitas por executivos da construtora Odebrecht exerce impacto generalizado sobre o mundo político, indo além do que se possa apurar a respeito de cada caso individual.

O sentimento, que embora subjetivo permanece crucial, é que mesmo havendo casos de atribuição infundada de culpa, dificilmente subsiste a tese de que tudo se resume a um conjunto de elaborações imaginárias.

Um dos principais delatores do caso, aliás, abordou de passagem a razão básica pela qual será inglória a tarefa dos políticos que buscam convencer a opinião pública de sua inocência.

Muito à vontade em seu testemunho, o patriarca da mais notória empreiteira do país, Emilio Odebrecht, apontou que, bem ou mal, já se sabia como o sistema funcionava. "O que nós temos não é de cinco, de dez anos. É de 30 anos," disse, omitindo o que terá acontecido durante a era militar.

Não deixa de ser bizarra, entretanto, a maneira com que Odebrecht prosseguiu o raciocínio. Disse estar surpreso e incomodado com o fato de só agora as antigas práticas causarem espanto, em particular da imprensa.

Ora, há diferença fundamental entre constatar o que se passa, por relatos anônimos, e dispor de provas ou testemunhos sólidos que permitam tornar públicas, com responsabilidade, informações tão graves.

Tais meios só existem agora, em profusão, graças ao mecanismo de delações premiadas instituído pelo Congresso em agosto de 2013, na esteira das manifestações populares de junho daquele ano.

Diante do turbilhão de acusações, cabe a cada envolvido procurar a linha mais consistente de defesa —o próprio presidente Michel Temer (PMDB) viu-se forçado a gravar vídeo para negar a versão de um delator sobre supostos entendimentos seus com a empresa.

Para além dos casos individuais, entretanto, é a própria atividade política, ao menos da forma como se exerce no país, que se vê em xeque. E é em sua defesa que se aliam, explícita ou tacitamente, as cúpulas partidárias.

Advertências contra o risco de "salvadores da pátria" unem as siglas do PT ao PSDB. Mesmo Marina Silva (Rede-AC), poupada dos escândalos, disse que "não se faz política negando a política".

Para os mortos e feridos da classe dirigente, são poucas as opções. Estancar a Lava Jato seria alternativa inaceitável —e propensa a agravar o perigo que se pretende evitar.

Um acerto em torno de ampla reforma política, que pode ser ou não virtuosa, é caminho difícil, mas talvez incontornável no momento.

editoriais@grupofolha.com.br


Endereço da página:

Links no texto: