Folha de S. Paulo


André Ramos Tavares

Contas de campanha de Dilma e Temer devem ser separadas em processo no TSE? NÃO

MEDIDA NÃO CABE NA CONSTITUIÇÃO

Tenho por certo que nenhum julgamento é atemporal, no sentido de estar imune ao que se passa no mundo e no país, especialmente aos seus "riscos políticos e sociais latentes", como bem advertiu recentemente o ministro do Tribunal Superior Eleitoral Herman Benjamin.

Nesse sentido, mesmo falando abstratamente, somos imediatamente carregados para o dilema da coligação em julgamento no TSE e da conhecida indivisibilidade da chapa única, que não é mera tecnicalidade, como veremos.

Entre estar imbuído das dificuldades concretas, o que é aceitável e mesmo inerente ao direito dos tribunais, e operar uma decisão judicial subjetiva livre há uma diferença nem um pouco sutil.

Julgar com base exclusiva, ou mesmo de maneira preponderante, nas próprias convicções pessoais sobre qual situação futura é mais desejada (pelo próprio julgador, pela sociedade ou pela economia e sua crise permanente, não importa) significa romper a barreira de contenção jurídica contra o arbítrio, conta o subjetivismo.

Essa via permite, por óbvio, de maneira aleatória, tanto conceder privilégios como distribuir maldades. Estamos discutindo aqui, portanto, se o Estado de Direito permanece de pé, se decisões de tribunais que ousem invocar circunstâncias excepcionais os isentam da decisão técnica, permitindo que abracem a heterodoxia de um direito conforme o réu, ou, ainda, conforme o discurso supostamente irresistível da crise.

Não diferenciar parlamentos e tribunais (sim, estamos discutindo isso) é regredir, equivalendo à situação de eliminar um desses Poderes. Afastar o funcionamento rigoroso de tribunais, especialmente de maneira seletiva, arruína a estrutura judicial na sua totalidade.

Derruba-se a separação de Poderes em nome de uma hipotética "melhor" decisão. Entendo que esse caminho não cabe na Constituição em vigor. O questionamento sobre estar autorizado a operar politicamente não pode sequer ser colocado em apreciação por um tribunal, seja qual for.

Coisa diversa é ponderar as consequências de suas decisões, fazendo-o de maneira transparente e sob critérios objetivos dentro de uma margem jurídica de controle. Aqui se insere a questão de prova.

Para aceitar conduta grave à democracia, entendo necessária prova robusta e acima de qualquer suspeita. O falacioso, precário ou "contaminado" não é elemento de prova e jamais poderia ser o lastro do Judiciário, especialmente nos valores mais sensíveis da sociedade, como romper um mandato popular ou retirar a liberdade de alguém.

Regularmente provada a distorção democrática na campanha eleitoral, como aquela decorrente de poder econômico indevido, não cabe ignorá-la em virtude de considerações de futurologia ou por causa do nome grafado na capa do processo.

Comprovada a interferência indevida do poder econômico na escolha de políticos, a situação é muito grave, em todas as dimensões que se queira avaliar o caso.

Não parece minimamente aceitável -especialmente em uma sociedade que está combatendo severamente a corrupção dos costumes políticos- que se proponha a qualquer tribunal curvar-se à corrupção que tenha atingido o âmago da democracia nas eleições.

O expediente processual da separação de contas é inusitado, para dizer o mínimo. Seu uso também como técnica para salvamento -e o pior, seletivo, no sentido político acima delineado- de resultado eleitoral que se saiba ter sido conspurcado apenas reforça desconfianças que assombram há tempos a sociedade brasileira.

ANDRÉ RAMOS TAVARES é professor titular da Faculdade de Direito da USP e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Foi diretor da Escola Judiciária Eleitoral do TSE (Tribunal Superior Eleitoral)

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