Folha de S. Paulo


CARLOS RITTL

Presidente, precisamos falar sobre clima

Caro presidente Michel Temer,

Nesta quinta-feira (16) comemora-se o Dia Nacional de Conscientização sobre as Mudanças Climáticas. Decidi escrever esta carta porque, como o senhor diz, as palavras voam, a escrita fica. E, se há alguém que precisa ser conscientizado sobre o tema, esse alguém é o senhor.

Presidente, o senhor tomou a atitude correta ao ratificar o Acordo de Paris no ano passado. Demonstrou que a crise política não deve ser motivo para atravancar um tema de interesse estratégico do país.

No entanto, desde então sua administração tem agido como se o acordo fosse apenas decorativo.

Veja as florestas, por exemplo. O desmatamento responde por 46% das emissões brasileiras. Nos últimos dois anos, ele subiu 60% na Amazônia. Isso nos afasta da meta doméstica de reduzir a devastação em 80% até 2020: o esforço agora terá de ser duas vezes maior.

Essa ficha parece não ter caído aí no Planalto: o Ibama, por exemplo, perdeu recursos do Tesouro e hoje depende de doações internacionais para combater o desmatamento.

No fim do ano passado, o senhor deu um presentão aos desmatadores com a MP que cortou pela metade a Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará. Quando coisas assim acontecem, a mensagem é clara: invadir terra pública e botar abaixo floresta são delitos que compensam. E Eliseu Padilha, ministro da Casa Civil, quer fazer o mesmo com cinco unidades de conservação criadas por Dilma Rousseff no Amazonas.

Presidente Temer, na questão indígena seu governo está ainda pior que o da ex-presidente Dilma.

Primeiro o ex-ministro da Justiça Alexandre de Moraes, hoje no STF, tentou mudar o rito de demarcações. Depois houve a entrega da Funai ao PSC e, agora, a do Ministério da Justiça a Osmar Serraglio (PMDB), que disse em entrevista à Folha que terra indígena "não enche barriga".

Essas terras importam muito, não apenas pelos direitos de 820 mil brasileiros nativos mas também pelo fato de que estocam 42 bilhões de toneladas de dióxido de carbono -mesma quantidade que o planeta emite em um ano.

No Congresso, nunca a bancada ruralista teve tanto poder, nem soube tão bem exercê-lo em proveito de suas agendas -que vão do enfraquecimento do licenciamento ambiental a uma nova flexibilização do já permissivo Código Florestal.

Seus amigos da Câmara parecem saudosos dos anos 1980, quando o Brasil era um pária internacional devido à violência no campo e ao desmatamento.

O senhor dirá que governar é fazer escolhas, que precisa dos votos dessa gente para "tirar o Brasil da crise". Mas há um problema, presidente: com tanto retrocesso, logo não haverá um país para tirar da crise.

Uma das primeiras vítimas será o agronegócio: antes do meio do século, a soja poderá ter uma redução de 40% na sua área devido ao aquecimento global. E as obras de que o PMDB tanto gosta, como grandes hidrelétricas, poderão ficar inviáveis em decorrência da seca.

Pergunte ao ministro Moreira Franco - foi ele quem encomendou o maior estudo já feito sobre impactos do clima na infraestrutura do Brasil.

O cenário ambiental brasileiro não precisava ser assim, presidente. O país poderia fazer a coisa certa -e ainda ganhar dinheiro com isso. A recessão reduziu as emissões do setor de energia, permitindo planejar uma retomada com menos carbono. A alta das commodities favorece a produção agrícola eficiente.

A Lava Jato impõe a necessidade de redesenhar o modelo das obras de infraestrutura no país de forma limpa. Por fim, a virtual saída dos EUA da luta contra o aquecimento global abre oportunidades a países que queiram relevância geopolítica, algo que o Brasil perdeu.

Trocar tudo isso por um punhado de votos no Congresso não parece decisão à altura de um estadista como o senhor.

CARLOS RITTLI, doutor em biologia tropical e recursos naturais pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, é secretário-executivo do Observatório do Clima, uma rede de 42 organizações da sociedade civil

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