Folha de S. Paulo


editorial

Fiasco na fronteira

Na infrutífera política de repressão às drogas, um dos fracassos principais do país é a crônica incapacidade de barrar a entrada de cocaína em seu território.

Dada sua relação com a recente onda de violência extrema nos presídios nacionais, o tráfico na tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru tornou-se exemplo ainda mais eloquente desse fiasco.

Nos últimos anos, o governo assistiu impotente à ascensão da facção Família do Norte (FDN), responsável pelo massacre no sistema prisional de Manaus no início do ano. A organização criminosa assumiu o controle do tráfico na região, porta de entrada da cocaína que abastece o Norte e o Nordeste.

Reportagem desta Folha mostrou que as forças policiais brasileiras não conseguem fazer mais que um controle parcial da fronteira, sem dispor de maneira adequada de equipamentos como helicópteros e lanchas blindadas.

Conforme o comandante da Polícia Militar, a base de fiscalização no local é "motivo de piada" para o crime organizado.

Trata-se de erro, no entanto, atribuir apenas ao Brasil a inoperância no combate ao narcotráfico, um crime tipicamente transacional.

As necessárias mudanças na estratégia atual passam por uma coordenação entre os governos do continente e os Estados Unidos, que há anos financiam a guerra às drogas, em especial na Colômbia.

Na condição de único país a fazer fronteira com os três produtores de cocaína —lista que inclui ainda a Bolívia—, o Brasil teria peso suficiente para propor e negociar uma nova conduta.

Infelizmente, a política brasileira tem obedecido à orientação mais conservadora e menos produtiva do debate em torno de como enfrentar os malefícios das drogas.

Em outras partes do mundo, experimentam-se abordagens mais flexíveis; na América do Sul, o Uruguai foi pioneiro da legalização da maconha. Já aqui, a mera posse de entorpecente pode ser tratada como tráfico e levar à prisão, a depender dos critérios das autoridades.

Não há solução garantida, mas já passa da hora de buscar novos caminhos. Devem-se tanto eliminar punições aos usuários quanto autorizar a produção e a venda, desde que de forma gradual, mediante consulta popular e em diálogo com a comunidade internacional.

A vigilância das fronteiras não deixará de ser necessária, mesmo porque seu propósito não se limita a deter as drogas. Como os orçamentos permanecerão restritos, há que se articular com maior frequência operações conjuntas de todos os governos envolvidos.

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