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Quente e frio

O Programa Antártico Brasileiro (Proantar) completa 35 anos em situação peculiar. Ao mesmo tempo em que se constrói uma das estações mais avançadas no ambiente polar, a atividade científica que a justifica segue refém da insegurança orçamentária inerente à profunda crise fiscal.

A Estação Antártica Comandante Ferraz (EACF) fica na periferia do continente austral, mais perto da América do Sul que do polo geográfico. Nem por isso a base na ilha Rei George deixa de satisfazer o requisito para que o Brasil permaneça como membro com direito a voto no Tratado Antártico (1959): presença continuada e pesquisa significativa na região.

A EACF funciona desde 1984 com o apoio logístico da Marinha, que coordena o Proantar. Recebe de novembro a março dezenas de cientistas e mantém, em cada ano, uma tripulação permanente de 15 militares, que vivem ali por 12 meses (inverno incluído).

Para tanto, a Marinha conta com dois navios polares, o Almirante Maximiano e o Ary Rongel. Além de dar suporte às missões de pesquisa, eles fazem o transporte de carga a partir do porto chileno de Punta Arenas e o traslado de pessoal desde a pista na base Eduardo Frei, do Chile, onde pousam os aviões C-130 da Força Aérea Brasileira.

Em 2012 houve um incêndio na estação, que vitimou dois integrantes da Marinha. Desde então a base funciona em módulos emergenciais instalados no mesmo local.

Para a reconstrução, saiu vitorioso, em concurso internacional, um projeto arquitetônico ousado da firma curitibana Estúdio 41, cuja construção teve início em dezembro por uma estatal chinesa.

O aspecto bifronte do Proantar, com logística militar e pesquisa civil, implica alguns conflitos de prioridades. Parte da comunidade científica que empreende estudos na Antártida preferiria ter apoio para fazer incursões mais profundas no continente. O grosso do investimento brasileiro se concentra em Ferraz, no entanto.

Neste ano, por exemplo, o contraste entre as cifras é eloquente. Para a reconstrução da EACF, que tem o custo total de US$ 99,6 milhões (R$ 310 milhões), reservaram-se R$ 128 milhões; para pesquisa, menos de R$ 2 milhões.

A estiagem de recursos públicos cria restrições para todos os setores da administração. Mas o bom gestor reconhecerá que uma embaixada nova e vistosa na Antártida será de pouca valia se, mesmo na escassez, não lograr também prover ali a atividade-fim capaz de manter o Brasil na mesa das decisões sobre o futuro do continente.


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