Folha de S. Paulo


Editorial

Conexão russa

Os Estados Unidos saíram ganhando com a substituição, no Conselho de Segurança Nacional, de Michael Flynn por Herbert McMaster, ambos generais.

O militar que entra é considerado um dos principais estrategistas norte-americanos, com experiência nas guerras do Afeganistão e do Iraque. Mais importante, trata-se de alguém conhecido pela franqueza e disposição de contestar o chefe quando acha preciso.

São qualidades especialmente bem-vindas quando o comando está nas mãos de Donald Trump, que, numa descrição benigna, não tem grande ideia do que sejam relações internacionais.

O general que sai, embora tido como competente, nutria uma espécie de obsessão pouco producente em relação ao extremismo islâmico. Caiu por ter se deixado gravar pelo FBI numa conversa telefônica com o embaixador russo, cujo teor negou de início.

Se serviu para a melhora do conselho, o episódio aprofundou as dúvidas –inclusive no próprio Partido Republicano– em torno das relações do presidente dos EUA com a Rússia de Vladimir Putin.

Pelo que se suspeita, a divisão russa de hackers –especialistas na invasão de sistemas informatizados– trabalhou em favor de Trump na campanha eleitoral, difundindo informações falsas e verdadeiras para prejudicar a adversária democrata, Hillary Clinton.

Há sinais alarmantes de que a afinidade de Trump com Putin possa ser ainda mais intensa. O primeiro, que não hesita em repreender líderes de nações aliadas como México e Austrália, mostra inusual delicadeza ao falar da Rússia, que se opõe a interesses americanos em várias partes do mundo.

Pode-se argumentar, contudo, que a atitude do republicano se deva a uma mistura de admiração real e convergência de pensamento –um aparente pendor pelo populismo autoritário que Putin pratica sem constrangimento.

No plano ideológico, como observou o colunista da Folha Demétrio Magnoli, ambos militam contra a ordem mundial globalizante, numa ofensiva com toques de saudosismo nacionalista.

Quaisquer que sejam os motivos, o fato é que os valores dos EUA são incompatíveis com os métodos autocráticos do russo. Uma nova aliança entre Washington e Moscou não avançará sem pôr em risco princípios como o respeito à democracia e aos direitos humanos.

Com McMaster no Conselho de Segurança Nacional, aumenta a chance de alguém dizer isso a Trump. É duvidoso, porém, que o recado surta algum efeito.


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