Folha de S. Paulo


Carlos Fernando dos Santos Lima

Pós-verdade e Lava Jato

"Pós-verdade" foi escolhida pelos Dicionários Oxford como a palavra mais significativa de 2016. Creio ser o resultado merecido, pois nunca na história houve a disseminação de deturpações conscientes dos fatos em favor de crenças pessoais quanto nos últimos dois anos. Não se trata de um fenômeno restrito às redes sociais, mas que se espalha por toda a sociedade.

Poderia parecer inútil, portanto, diante disso e dos interesses e paixões políticos que envolvem a Operação Lava Jato, que se tente uma abordagem racional para informar a população sobre os fatos desvelados pelas investigações.

Todavia, enfrentar esses interesses e paixões é imperativo. Informar claramente os resultados é um dos pilares de sustentação da operação. A luz solar não é só o melhor desinfetante contra a corrupção -o é também contra a manipulação da informação.

Dentre as pós-verdades que se procura impingir à população, uma das mais rasteiras é que a Lava Jato procura criminalizar a atividade política. A verdade é bem diferente -as investigações apontam que o sistema político brasileiro utiliza-se, isso sim, de meios criminosos, como a corrupção e a lavagem de dinheiro, para o financiamento de onerosas estruturas partidárias e caras campanhas eleitorais.

Assim, não se está querendo tratar a política como crime, mas revelar que certas atividades são, pura e simplesmente, crimes.

Há corrupção toda vez que um político ou funcionário de um partido prometem algum benefício público em troca de dinheiro, pouco importa a forma pela qual esse pagamento se dará. O uso de transações aparentemente legais é apenas o disfarce com que se pretende ocultar as reais motivações.

A conclusão, portanto, é que qualquer pagamento em troca de favores e benefícios públicos, seja através de doações contabilizadas, seja por meio de operações ocultas e disfarçadas, é corrupção.

Pensar de outro modo seria isentar o criminoso "toma lá, dá cá" que se instaura nas mais diversas esferas de governo e entre partidos políticos de esquerda e direita, o que acarreta desvios de dinheiro público como os descobertos na Petrobras.
Melhor seria então que deixássemos os pudores e essas doações viessem carimbadas com sua destinação. Assim teríamos, por exemplo: "esta doação eleitoral é para compensar a boa vontade do ministro Fulano de Tal em nos liberar a verba prevista em contrato superfaturado com o governo".

Obviamente, há muito o que mudar no país. Não basta todo o esforço feito até agora nas investigações da Lava Jato, pois a classe política resiste em entender esse novo cenário.

Pensando em mudanças, o Ministério Público Federal ofereceu suporte a uma iniciativa popular conhecida como "10 Medidas contra a Corrupção", que transformaria o panorama da impunidade.

Infelizmente, mesmo diante do apoio de mais de 2 milhões de pessoas, do convite sincero de se discutir honestamente as medidas apresentadas, sempre na esperança de seu aperfeiçoamento, a maioria dos deputados federais preferiu jogá-las por terra em retaliação às investigações.

Contudo, não devemos desistir - nem a força-tarefa da Lava Jato nem a população brasileira. As medidas elaboradas no projeto devem ser acompanhadas de reformas políticas com objetos claros.

Alguns pontos são básicos: tornar as campanhas mais baratas e as decisões públicas mais transparentes, determinar que obras públicas sejam precedidas de exaustivos estudos e projetos, eliminar regulamentos que só existem para criar dificuldades.

Dessa forma, cabe a cada um de nós combater o bom combate, ir além do nosso cotidiano, do cumprimento de nossas obrigações diárias. Neste momento histórico, isso significa lutar por um país melhor, da forma que pudermos -em casa com nossos familiares, nas escolas, nos escritórios, nas fábricas e também nas praças, derrubando mentiras e impondo mudanças.

Só assim escaparemos dos seguidos ciclos de fracassos econômicos e sociais que a corrupção nos impõe.

CARLOS FERNANDO DOS SANTOS LIMA, procurador regional da República, é mestre em direito pela Universidade Cornell (EUA) e membro da força-tarefa da Operação Lava Jato

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