Folha de S. Paulo


André Ramos Tavares

Nome com vínculo partidário e carreira política deveria ser vetado no STF? NÃO

GARANTIAS CONFEREM INDEPENDÊNCIA

Não sejamos ingênuos. Juízes não são seres apolíticos descolados da realidade nacional. O que não se admite é que alguém se torne juiz por razões exclusivamente político-partidárias (cargo como prêmio) ou que um juiz decida com base nessas mesmas razões, sendo também vedada a atividade partidária.

Analiso, aqui, apenas o primeiro ponto. Nosso sistema constitucional em vigor prevê travas simplórias quanto aos inconvenientes que muito frequentemente parecem incomodar em algumas "candidaturas" ao STF (Supremo Tribunal Federal).

Falando mais diretamente, não há norma jurídica que desautorize a indicação de pessoas com vínculo partidário e com participação direta no governo federal. E não se trata de uma questão de interpretação.

Nosso modelo é do século 18, e isso deveria nos assombrar muito mais do que qualquer indicação concreta da qual se queira discordar. Por isso, é real o perigo de surgir em instâncias oficiais um direito construído "ex post facto", um casuísmo intolerável.

Possível gratidão política e cumplicidade pela indicação não são bases para um impedimento, até porque garantias constitucionais do cargo, como a vitaliciedade, operam para conferir total independência no agir judicial.

Ademais, estamos longe de um mero prêmio a político sem relações com o mundo jurídico. Em pesquisa mundial que acaba de ser lançada, neste mês, no México, na qual colaboro como coordenador-geral do Brasil, Alexandre de Moraes aparece como o oitavo doutrinador mais citado pelo STF, entre 2009 e 2013 (último quinquênio da pesquisa), em ações diretas. Eis um notável saber jurídico, no Brasil. Mas há mais.

Nas democracias ocidentais, os partidos políticos proporcionam voz e vez a todos cidadãos. Bem por isso é curioso que vinculação partidária possa se tornar problema curricular.

O momento atual do Brasil explica, em parte, essa curiosidade. Embora tenha funcionalidade diversa da nossa, o modelo dos EUA realça (e não teme) a partidarização anterior, pois das 112 indicações já realizadas para a Suprema Corte do país, apenas um nome não tinha filiação partidária.

E o nosso pan-partidarismo deveria servir à maior diversidade na composição da Corte, algo essencial, mas que uma baixa estatura democrática é incapaz de aceitar.

É a indicação por escolha discricionária do presidente da República que propicia a politização imediata do nome apresentado. No sistema atual, é legítimo que o presidente acolha nome em sintonia com sua visão de mundo.

A necessidade de aprovação do Senado é um meio de neutralizar inconvenientes e assombros. Esse mecanismo complexo, porém, só funciona se o Senado não atuar, por meio de suas lideranças e principais forças, previamente -quer dizer, no momento da escolha do nome, juntamente com o presidente da República. Caso o Senado se antecipe, o modelo constitucional é frustrado.

O Senado detém ampla discricionariedade para avaliar o nome, devendo fazê-lo de maneira independente e suprapartidária. A sociedade não deve aceitar menos do que isso. Moralmente falando, a memória recente do cargo compele a tanto. Se a engrenagem não funciona, deve ser trocada.

A lição, mais uma vez, é rejeitar pseudo-regras criadas para atingir pessoas específicas, especialmente quando estão à margem da Constituição. Razões para recusa devem ser reais, expostas de maneira transparente e dentro do processo descrito pela Constituição, jamais acenando com regras que não passam de pura fantasia.

A prevalecer esse último tipo de postura, frustra-se mais do que um nome, frustra-se o próprio Estado de Direito.

ANDRÉ RAMOS TAVARES é professor titular da Faculdade de Direito da USP e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

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