Folha de S. Paulo


EDITORIAL

Dez anos de estagnação

O balanço de dez anos da Lei do Saneamento Básico (nº 11.445), que se completam neste mês, até revela avanços, mas nada que possa ser considerado animador. Diante do atraso renitente em matéria de esgotamento sanitário, parece mais apropriado falar em estagnação.

Segundo o Ministério das Cidades, só metade dos dejetos produzidos, precisamente 50,3%, termina coletada. Do total gerado que recebe tratamento, a proporção é ainda mais vergonhosa: 42,7%. Uma grave ameaça à saúde pública.

Há dez anos, os índices de cobertura e tratamento eram, respectivamente, 42% e 32,5%. Como se vê, houve progresso tímido.

O desempenho do poder público é melhor na distribuição de água encanada, dado o benefício sanitário mais óbvio e imediato. De 80,9% da população, há dez anos, chegou-se a 83,3% –bem mais perto de uma universalização.

De resto, estender esses serviços básicos para toda a população era a meta da Lei do Saneamento para seus primeiros 20 anos. Estimava-se então que seriam necessários R$ 304 bilhões de investimentos.

Dez anos já se foram. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) calcula que, nos ritmos atuais, o abastecimento universal de água só virá em 2043. No caso da coleta e tratamento de esgotos, em 2054.

Um país às voltas com surtos de dengue, zika e chikungunya, para citar algumas ameaças à saúde relacionadas com a falta de saneamento, não pode esperar mais 37 anos para saldar essa dívida social.

Parte do incivilizado deficit em esgotos decorre da chamada ociosidade da rede: os tubos coletores estão presentes no logradouro, mas os domicílios não se conectam a eles. Uma estimativa aponta que, só nas cem maiores cidades do país, 3,5 milhões de pessoas estariam nessa situação. É intolerável.

Os donos de imóveis refratários, ao que parece, preferem manter o uso de fossas (nem sempre apropriadas) para não arcar com a tarifa de coleta ou para evitar a despesa com a obra de conexão.

Cabe às prefeituras fiscalizar e autuar os renitentes, mas elas se omitem. Deixam tudo por conta dos serviços de saneamento, públicos ou privados, que no entanto não têm poder de polícia.

A lei 11.445 estipulou que até 2013 os prefeitos deveriam ter apresentado seus planos municipais de saneamento básico, como precondição para obter recursos da União para obras no setor. O prazo, no entanto, foi prorrogado para 2015 e, depois, 2017. Já há propostas na Câmara dos Deputados para novos adiamentos, até 2019 ou 2020.

É também em sentido literal, como se vê, que a classe política contribui para empestar o país.

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