Folha de S. Paulo


PAULO A. NUSSENZVEIG E ALICIA J. KOWALTOWSKI

Patrimônio de São Paulo ameaçado

Os tempos conturbados do nosso país nos ensinaram que é preciso vigiar cuidadosamente os governantes. No apagar das luzes do esquecível ano de 2016, a Assembleia Legislativa de São Paulo, onde o governo do Estado tem ampla maioria, aprovou uma lei orçamentária para 2017 que viola a Constituição Estadual.

Na noite de 21 de dezembro, os deputados estaduais, após acordo de lideranças (exceto de PSOL, PT e PV), votaram a redução de R$ 120 milhões do orçamento previsto para a Fapesp (Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo), transferindo-os para a Secretaria do Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação.

A lei 16.347, de 29 de dezembro de 2016, sancionada pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB), prevê apenas 0,89% da receita tributária do Estado para a Fapesp.

O artigo 271 da Constituição Estadual não deixa margem para interpretações: "O Estado destinará o mínimo de um por cento de sua receita tributária à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, como renda de sua privativa administração, para aplicação em desenvolvimento científico e tecnológico."

A inconstitucionalidade deveria ser argumento suficiente para reverter o ato. Mas nunca é demais lembrar a preciosidade do patrimônio que representa a Fapesp.

Prestes a completar 55 anos, o órgão inspirou a criação de fundações de amparo à pesquisa em diversos outros estados e continua sendo a mais respeitada dentre elas. Ela é referência para agências de fomento do mundo inteiro.

A Fapesp já foi criada com um orçamento próprio, definido em artigo da Constituição. Essa visionária política de Estado, respeitada por todos os governadores em 55 anos, foi o principal instrumento para viabilizar seu funcionamento.

Inicialmente dotada de 0,5% do total da receita tributária do Estado, a Fapesp passou a receber 1% a partir da Constituição de 1989.

Essa é a história de uma instituição administrada de forma eficiente, com decisões baseadas em rigorosas análises de mérito, tomadas de forma ágil, por pessoal altamente qualificado.

Muitos exemplos ilustram seu sucesso. Quando o governo ainda não falava em vacina contra a dengue, em 2008 a Fapesp financiou os primeiros testes no Instituto Butantan; a fundação financia o maior programa de bioenergia do país, assim como alguns dos maiores programas mundiais de pesquisa sobre a Amazônia. Em 2016, foram contratados 233 projetos de pesquisa em pequenas empresas em São Paulo.

Tudo isso sempre foi feito garantindo o mérito das iniciativas, através de avaliações criteriosas.

Em dezembro de 2008, no auge da crise econômica mundial, o então presidente eleito dos EUA, Barack Obama, cravava: "Hoje, mais do que nunca antes, a ciência contém a chave para a sobrevivência de nosso planeta e para nossa segurança e prosperidade como nação. É chegada a hora de colocarmos novamente a ciência no topo de nossas prioridades e trabalhar para restaurar nosso lugar como líderes mundiais em ciência e tecnologia".

Será que o governador Alckmin compartilha essa visão de comprovado sucesso nos chamados países desenvolvidos?

Em carta publicada em 15 de janeiro deste ano na Folha, o deputado e presidente estadual do PSDB-SP, Pedro Tobias, escreveu: "O governador Geraldo Alckmin lidera o maior Estado do país e, apesar da grave crise que o país atravessa, mantém São Paulo nos eixos, com contas em dia e capacidade de investimento."

A economia de São Paulo é pujante porque nós valorizamos a busca e apropriação do conhecimento. Para isso, criamos e cuidamos de instituições de reconhecido valor como a Fapesp. Governador Alckmin, não inscreva em seu legado a destruição desse patrimônio.

PAULO A. NUSSENZVEIG é professor do Instituto de Física da USP

ALICIA J. KOWALTOWSKI é professora do Instituto de Química da USP

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