Folha de S. Paulo


editorial

Conflitos de Trump

No próximo dia 20, Donald Trump assumirá a Presidência da maior potência econômica e militar do planeta. Contrariando prognósticos de uma gestão com perfil mais moderado do que o anunciado durante a campanha, o republicano tem dado sinais de que promoverá forte guinada à direita na política dos Estados Unidos.

Por si só, o redirecionamento não é nenhum problema num país em que a alternância de poder entre conservadores e progressistas é característica essencial do sistema —que conta, ademais, com mecanismos de freios e contrapesos para conter extremismos e excessos.

O que de fato preocupa são as evidências de um comportamento hostil às instituições. Trump parece não aceitar que elas imponham limites a seu voluntarismo populista e a suas ideias primitivas sobre democracia e política externa. Também se mostra refratário a preceitos éticos corriqueiros na política norte-americana.

O presidente eleito, como se sabe, é empresário; seus negócios são mais conhecidos no ramo imobiliário e hoteleiro, com empreendimentos estabelecidos ou em construção em diversos países.

Há compreensível pressão para que o novo mandatário afaste-se completamente de suas atividades empresariais, a fim de evitar conflitos de interesse.

As normas em vigor prescrevem o que nos EUA se chama de "blind trust", ou seja, um modelo em que o proprietário das empresas teoricamente não tem acesso aos próprios negócios nem exerce influência sobre sua condução.

Inicialmente, Trump, em suas mensagens pelas redes sociais, avisou que não pretendia mover-se nessa direção. Depois, sob intenso bombardeio de críticos, mostrou-se inclinado a aceitar alguns procedimentos, mas nada que o colocasse numa posição legal e eticamente defensável.

O tema é complexo —e a ruidosa tentativa dos republicanos de diminuir os poderes da comissão de ética que investiga parlamentares expõe resistências de setores da casta política semelhantes às que se observam no Brasil, onde a corrupção e os interesses privados grassam no setor público.

Pode-se argumentar que mesmo numa situação clara de afastamento dos negócios podem-se improvisar canais subterrâneos de comunicação entre o político-empresário e suas corporações. O mínimo a esperar, porém, é que as regras e formalidades sejam cumpridas —e que eventuais (prováveis?) infrações terminem punidas.

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