Folha de S. Paulo


Dawisson Belém Lopes

A falta que faz uma estratégia

Nos últimos 20 anos, dois projetos de política externa foram postos em prática no Brasil.

Fernando Henrique Cardoso apostou em valores associados ao mundo liberal: democracia, economia de mercado e direitos humanos. Alinhou-se ideologicamente às nações da América do Norte e da Europa.

A opção pelo cânone ocidental, apesar de evidente, acomodava nuances em seu interior. Seria exagerado tratar FHC como mero adesista.

Para projetar o Brasil no mundo, apoiou-se largamente na difusão de imagens e valores instrumentais ao país, sustentados por algum lastro material -estabilidade macroeconômica, higidez institucional, respeito às normativas internacionais.

O próprio presidente tomou para si a missão de representar o Brasil no exterior. Alçou a diplomacia presidencial a um novo patamar.

FHC tinha uma estratégia que, com erros e acertos, foi implementada. Como resultado, o país cresceu na escala das nações.

Lula rompeu com alguns dos pilares diplomáticos do seu antecessor. Buscou um caminho autonomista para a política externa, pregando a revisão da ordem mundial. Por intermédio da iniciativa Brics, aproximou-se de países como Rússia e China -rivais da aliança transatlântica, encabeçada pelos EUA.

Seu plano de ação envolveu menos conteúdo moral e mais "poder duro". Cresceram durante os anos Lula o gasto com as Forças Armadas, a máquina diplomática, a cooperação sul-sul e a integração regional.
O presidente mostrou-se um entusiasta da diplomacia de mandatários. Se FHC havia sido o pioneiro, foi Lula quem mais empregou a tática.

Ainda que falhas houvesse, esse projeto de política externa rendeu dividendos. O Brasil atingiu os píncaros na primeira década do século 21.

Os últimos anos, contudo, têm sido frustrantes. Com Dilma Rousseff, "normalizou-se a curva". Seu aparente desinteresse pelas temáticas internacionais devolveu a diplomacia brasileira ao padrão de meados dos anos 1990.

Qual foi o plano de ação internacional de Dilma? É difícil dizer. Houve ambiguidade e, para a maior parte dos intérpretes, omissão. Parece consensual o diagnóstico de que, entre 2011 e 2016, o Brasil declinou no ranking das nações.

Pergunta-se: como Michel Temer pretende lidar com a diminuição da estatura internacional do país? É incerto o rumo que seguirá.

Privilegiaremos a liga de Estados liberais, mesmo em face da eleição de Trump nos EUA, ou buscaremos o beneplácito de Rússia e China? Toleraremos as agressões aos direitos humanos no Irã, condenando-as quando acontecerem na Venezuela?

Os sinais emitidos até o momento são ambivalentes e não autorizam juízos resolutos. As notas oficiais do Ministério das Relações Exteriores à imprensa, além de lacônicas e pasteurizadas, não diferenciam as ênfases de cada governo -o anterior e o corrente.

Depois de um início retumbante, com condenação de bolivarianos e "passa fora" na Unasul, a voz do chanceler José Serra sumiu. O que pensa a atual liderança do Itamaraty sobre o processo de paz na Colômbia? A construção de um muro entre EUA e México? Os rumos da União Europeia após o Brexit?

Temer pode perseguir uma rota parecida com a de FHC ou, quem sabe, reviver Lula na diplomacia. Pode até combinar aspectos das duas trajetórias. Só não pode abdicar de uma estratégia.

DAWISSON BELÉM LOPES é professor de política internacional da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreveu o livro "Política Externa na Nova República: os Primeiros 30 Anos" (ed. UFMG)

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