Folha de S. Paulo


IVAR HARTMANN

É preciso impedir um ministro do Supremo

Na escalada de tensão entre Congresso e Supremo, a busca pelo protagonismo institucional e pessoal é apenas um agravante. A raiz do problema é a total ausência de mecanismos para responsabilizar ministros do Supremo por seus excessos -não há accountability.

O padrão de comportamento nocivo de alguns dos ministros nos últimos anos está bem consolidado. Marco Aurélio Mello e Gilmar Mendes corriqueiramente anunciam na imprensa seu posicionamento sobre casos que o Supremo virá julgar mais tarde. Violam a lei.

As liminares de Luiz Fux e Marco Aurélio nos últimos dias seguem a linha da liminar de Mendes, que suspendeu a nomeação de um ministro do governo federal há alguns meses.

Marco Aurélio quis obrigar a presidência da Câmara dos Deputados a iniciar o impeachment de Michel Temer. Fux inventou ordem de votação de vetos presidenciais na Câmara, em 2013, tendo por resultado o favorecimento de seu Estado de origem no impasse dos royalties do petróleo. Também já criou auxílio moradia para juízes federais, ao custo de R$ 863 milhões por ano.

As liminares individuais podem tudo. Somam-se a elas outras medidas unilaterais como pedido de vista, que Mendes utilizou para suspender a decisão da maioria do plenário do tribunal sobre financiamento de campanhas.

Esse comportamento destrutivo afronta a separação de Poderes. O problema não se resolve, apenas se agrava, quando a resposta do Congresso é descumprir ordem judicial.

De toda forma, deputados e senadores precisaram vencer uma eleição e podem perder a seguinte. E o passado recente está cheio de exemplos de parlamentares afastados, condenados e cassados. O mesmo vale para o Executivo. E o que acontece quando um ministro do Supremo ultrapassa os limites?

Atualmente, a resposta é nada.

O ideal seria se o próprio Supremo conseguisse autocontrole interno. Praticamente todos os colegas criticaram Mendes publicamente por ter prejulgado a liminar de Marco Aurélio que afastava Renan Calheiros. Isso, todavia, não parece ter adiantado.

A Procuradoria-Geral da República e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) precisam começar a pedir, nos seus processos e nos demais, que Mendes seja declarado impedido de atuar nos julgamentos cujo mérito ele já tenha adiantado para a imprensa.

Os pedidos de vista são apenas isso, pedidos. A presidente Cármen Lúcia poderia negar pedidos de vista quando já há maioria formada e pautar o julgamento independentemente da vontade do ministro que fez o pedido, assim que o prazo de devolução é ultrapassado. Basta alterar o regimento interno do tribunal.

Os excessos nas liminares monocráticas parecem apontar para a necessidade de proibição pura e simples. O próprio Supremo mostra que não há tanta urgência ao levar em média 44 dias para decidir liminares. O benefício é incerto, mas Marco Aurélio, Mendes e Fux comprovam que o dano é certo.

Essas alternativas de autocontrole nunca foram exercidas. O controle externo também é viável. As alterações que poderiam ser feitas pelo Supremo em seu regimento também poderiam ser feitas pelo Congresso na lei ou na Constituição. Infelizmente, a única finalidade para a qual o Supremo tem sido rápido e unido é afastar o controle externo.

Sobra o impeachment -a última opção. A inércia do tribunal em viabilizar medidas menos duras tem tornado a solução nuclear a única restante. Alguns diriam que essa inovação deve ser evitada em um período de crise e tensão política.

Mas o momento atual é resultado em grande parte do descontrole das medidas unilaterais dos ministros. Se o Supremo não exerce a autocontenção, não resta alternativa. É preciso impedir um ministro do Supremo.

IVAR HARTMANN, rofessor da Fundação Getulio Vargas Direito Rio e coordenador do projeto Supremo em Números da mesma instituição

PARTICIPAÇÃO

Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br


Endereço da página:

Links no texto: