Folha de S. Paulo


LEANDRO NARLOCH

Fidel Castro, senhor de escravos

Imagine se historiadores descobrissem que um barão do café do Brasil Imperial fornecia saúde e educação de qualidade a seus escravos. Uma tese de doutorado mostraria que a taxa de analfabetismo e mortalidade infantil dessa fazenda era a menor do país e que os escravos ainda tinham acesso aos melhores tratamentos de câncer disponíveis no século 19.

No entanto, como em qualquer fazenda de café da época, todos ali eram obrigados a trabalhar. Quem tentasse fugir, se recusasse a servir o fazendeiro ou reclamasse das condições recebia punições e castigos.

O sistema dessa fazenda deixaria de ser escravidão? Deveríamos reverenciar o barão escravista porque tomou a atitude revolucionária de garantir saúde e educação aos escravos, apesar das restrições de liberdade?
Peço que o leitor adicione só mais um detalhe a essa história. Considere agora que esse senhor de escravos não viveu no Brasil do século 19, e sim em Cuba, no século 20.

Estamos de acordo que um homem desses seria um psicopata ou qualquer outro substantivo pouco generoso, certo? Na melhor das hipóteses, alguém vaidoso demais para admitir que estava errado. Ou que se recusou a dar liberdade aos escravos por temer a vingança.

É duvidosa a ideia de que Fidel Castro criou avanços sociais em Cuba, como as tão repetidas "saúde e educação de qualidade". Não é de qualidade um hospital sem sabonetes ou energia elétrica. Ou uma escola a ensinar que "amor é o que Fidel sente pelo povo", como aconteceu com a filha de jornalista John Lee Anderson, o biógrafo de Che Guevara.

Mas se fosse verdade, se o governo comunista tivesse de fato criado boas escolas e um eficiente sistema de saúde, isso faria de Fidel menos assassino, menos escravista?

Como os escravos do século 19, os cubanos recebem uma ração de comida suficiente apenas para sobreviverem. Como escravos, até 2013 não tinham liberdade para sair da fazenda, ou melhor, do país sem autorização.

Segundo o Cuba Archive, que reúne dados de mortos e desaparecidos políticos desde a ditadura de Fulgencio Batista, cerca de 70 mil cubanos morreram no mar tentando chegar à Flórida. Miami é o Quilombo de Palmares dos cubanos.

Como um barão do café, Fidel foi o dono de Cuba, e não um político sujeito à avaliação dos cidadãos. Com sua morte, a posse da fazenda passará para seu irmão mais novo. Cuba é uma capitania hereditária do século 21.

Como um senhor escravista, Fidel reprimiu revoltas e perseguiu dissidentes. Há 9.200 mil casos documentados de mortos por sua ditadura. O número equivale a mais de 20 vezes o número de desaparecidos políticos da ditadura brasileira. Pesquisadores estimam que os casos documentados podem ser apenas 10% do total.

Filhos dos barões de café do Brasil costumavam impressionar os franceses com sua riqueza. Antonio Castro del Valle, o caçula de Fidel, impressionou gregos e turcos no ano passado. Alugou cinco suítes (de diárias de US$ 1.000) num resort na Turquia. Foi fotografado no iate em que havia viajado desde Mikonos, na Grécia.

O ensaísta Nassim Taleb usa a expressão "fooled by the label" para falar dos intelectuais "enganados pelo rótulo", aqueles que, por exemplo, chamam de religiões fenômenos que são apenas ditaduras.

Foi isso que Fidel fez com os intelectuais latino-americanos. Convenceu-os do rótulo de líder revolucionário que lutava pelo povo, quando não passava de um senhor de escravos perdido no século 21.

LEANDRO NARLOCH, jornalista, é autor de "Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil" (ed. Leya), entre outros livros

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