Folha de S. Paulo


editorial

Ineficiência privilegiada

Apesar da má fama, o foro especial para julgamento de autoridades —mais conhecido como foro privilegiado— tem sua razão de ser: pretende evitar que o governante tenha sua eficácia comprometida por processos maliciosos em instâncias inferiores, mais sujeitas a pressões políticas locais.

Ele só se justifica, no entanto, se não redundar em impunidade.

Presidente da República, ministros, deputados e senadores são processados apenas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Governadores são julgados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ); prefeitos, pelos Tribunais de Justiça.

Com a multiplicação de ações envolvendo primeiro escalão do Executivo e parlamentares federais, por obra da Lava Jato, o foco da inquietação recai sobre a capacidade de o STF fazer justiça de maneira tempestiva. São muitas, de fato, as ações contra políticos que não resultam em nada.

Levantamento publicado na segunda-feira (14) por esta Folha indica que, de 113 processos decididos pelo Supremo no caso de réus dotados de foro privilegiado, entre janeiro de 2007 e outubro deste ano, apenas quatro (3,5%) resultaram em condenações.

A maioria dos outros 109 casos terminou ou com absolvição dos acusados (36,3%) ou, o mais preocupante, com prescrição (33%).

Em um terço das ações, portanto, o Estado perdeu a oportunidade de condenar ou absolver políticos por pura e simples lentidão, deixando que transcorressem os prazos máximos estipulados em lei.

Claro que nem todo atraso se deve ao STF, pois muitos casos que ali chegam vêm de instâncias inferiores. Por exemplo, alguém que já sofria processo e se elege para mandato federal, adquirindo assim direito ao foro privilegiado.

Sabedor das limitações do STF para dar conta de tantos processos criminais, o ministro Luís Roberto Barroso defendeu, em entrevista a este jornal, que só sejam julgados por essa corte os chefes de Poder e, talvez, ministros do Supremo.

Deputados federais e senadores poderiam então, na opinião de Barroso, ser processados ou nos tribunais que julgam cidadãos comuns ou numa instância de primeiro grau especializada a ser criada. Merece debate a segunda opção, mais razoável perante os riscos de perseguição em comarcas espalhadas por todo o país.

O STF, por se encontrar no ápice do Judiciário, deve tomar a dianteira na discussão do foro especial, sob pena de ver sua reputação atual de paladino contra a impunidade resvalar para a de inoperante diante dessa praga brasileira.

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