Folha de S. Paulo


CARLOS FERNANDO DOS SANTOS LIMA e DIOGO CASTOR DE MATTOS

Foro privilegiado deveria ser extinto? Sim

INJUSTO E INEFICIENTE

O foro privilegiado deve acabar por três motivos básicos: é injusto, é ineficiente e gera a descrença da população na Justiça.

Não há como fugir dessa conclusão agora que esse privilégio passa por sua maior crise. Fatos descobertos pela Operação Lava Jato podem envolver mais de uma centena de autoridades que se beneficiam do foro.

O Brasil, como todos sabem, possui um sistema de Justiça criminal apenas simbólico, que pune as camadas sociais mais pobres sem, no entanto, realmente atingir pessoas que possuem poder, seja na forma de riqueza pessoal ou influência política. Essa injustiça é exacerbada pelo privilégio destes últimos em não se submeterem à Justiça da mesma forma que os demais brasileiros.

O princípio deveria ser o de confiança no sistema judicial, mas aqui prevalece o contrário. Os defensores desse privilégio alegam que o processo criminal comum sujeitaria as autoridades a pressões indevidas e à parcialidade de juízes de primeiro grau.

Assim, por desconfiança institucionalizada na Justiça, mais de 35 mil pessoas, inclusive os que assinam este texto, possuem o direito de serem julgados em tribunais por crimes comuns.

Entretanto, o que poderia ser justificado excepcionalmente em relação às chefias de Poderes -presidentes da República, da Câmara dos Deputados e Senado Federal, ministros do STF e procurador-geral da República-, foi vulgarizado para beneficiar prefeitos, deputados estaduais e federais, juízes, promotores, senadores e governadores, dentre outros.

Não bastasse a injustiça de pessoas serem tratadas de forma desigual sem justificativa moralmente aceitável, o foro privilegiado é ineficiente. Aliás, muitos acreditam que ele existe de fato porque, sendo ineficiente, torna os poderosos imunes na prática ao direito penal.

Essa ineficiência é confirmada pelo ministro do STF Luís Barroso, ao afirmar que em agosto de 2016 tramitavam na Suprema Corte 369 investigações e 102 ações penais contra parlamentares.

O prazo médio para a decisão de recebimento de uma denúncia é de 617 dias, enquanto que um juiz de primeiro grau decide, como regra, em menos de uma semana.

Essa estatística pode ser confirmada, por exemplo, pela demora de mais de cinco anos para o recebimento da acusação contra Paulo Maluf ou os mais de quatro anos passados do oferecimento da acusação contra Renan Calheiros sem análise pelos ministros.

O periódico Congresso em Foco, por sua vez, afirma que, entre agosto e novembro de 2015, o STF reconheceu a prescrição de crimes, imputados ou investigado, envolvendo 6 senadores e 11 deputados federais.

Essa situação de impunidade endêmica é também constatada por uma sequência de excelentes reportagens publicadas por esta Folha nesta última semana.

A Operação Lava Jato não tem a pretensão de acabar com a corrupção. Crimes são reflexos da sociedade e de seu momento histórico, e o direito penal pode apenas combater as condutas criminosas para que aqueles tentados a cometer crimes pensem duas vezes antes de agirem.

O que desejamos é quebrar o paradigma de uma Justiça criminal meramente simbólica, que só existe para os desfavorecidos. Para atingir tal objetivo é necessário expor para a população as injustiças desse sistema.

Uma delas, em conclusão, é o foro privilegiado. Não adianta mais caiar um sepulcro em que são enterrados os crimes dos poderosos.

CARLOS FERNANDO DOS SANTOS LIMA, procurador regional da República, é mestre em direito pela Universidade Cornell (EUA) e membro da força-tarefa da Operação Lava Jato

DIOGO CASTOR DE MATTOS, procurador da República em Curitiba, é mestre em direito pela Universidade Estadual do Norte do Paraná e membro da força-tarefa da Operação Lava Jato

PARTICIPAÇÃO

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