Folha de S. Paulo


VICENTE VILARDAGA

O risco de Abdelmassih sair da cadeia

O ex-médico Roger Abdelmassih, condenado por atacar sexualmente dezenas de mulheres em sua clínica de reprodução, tenta sair da cadeia, onde cumpre pena de 181 anos.

No final de setembro, seus advogados pediram à Justiça um indulto humanitário, algo que só se pede para criminosos muito enfermos que correm o risco de morrer atrás das grades. Se for confirmado que seu estado é realmente crítico, Abdelmassih pode passar a cumprir sua pena fora do presídio do Tremembé.

A princípio, o pedido de indulto foi baseado na opinião profissional de médicos que Abdelmassih escolheu e pagou do próprio bolso. No primeiro semestre, passou por pelo menos quatro consultas, com autorização da penitenciária. O laudo final foi assinado pelos legistas Luiz Saavedra de Paiva e Francisco Miguel Moraes Silva.

Ambos afirmam que Abdelmassih tem problemas cardíacos graves e corre o risco de sofrer um derrame ou um infarto. Apontam, também, para a possibilidade de uma morte súbita. E concluem que ele precisa de cuidados que não podem ser prestados na cadeia.

Paiva é professor de medicina legal e médico legista aposentado da Polícia Civil de São Paulo. E Moraes Silva foi diretor do IML de Curitiba, exonerado do cargo no ano 2000, sob acusação de cometer várias irregularidades. Em 2007, foi condenado pela 4ª Vara da Fazenda Pública por improbidade administrativa.

O pedido de indulto, embora contraste com a desumanidade da violência cometida contra suas pacientes, é um direito do Abdelmassih, pois nenhum de seus crimes foi considerado hediondo. É, também, um privilégio de poucos criminosos.

Só no ano passado morreram 422 detentos nos presídios paulistas de causas não violentas, atingidos por doenças como tuberculose, hepatite C, Aids e pneumonia, que não tiveram chance de pedir indulto.

O pedido representa uma chance estratégica de Abdelmassih levar a discussão de seu caso para o ambiente em que mais se sente protegido: a corporação médica. Perto de seus pares, ele reforça seu sentimento de impunidade.

Graças à proteção corporativa escondeu suas perversões por quase duas décadas. O sentimento classista, que foi fundamental para mantê-lo solto, pode ajudá-lo a sair da prisão.

Diante dessa revoltante possibilidade, as vítimas do ex-médico se mobilizam e fazem abaixo-assinados. Abdelmassih cumpriu menos de três anos de sua pena centenária e, sem benefícios, não sairá da cadeia antes de 2043, com 100 anos de idade. Hoje, ele tem 73 anos.

Quem vai decidir o destino do ex-médico é a juíza Sueli Zeraik, da Vara de Execuções Criminais de Taubaté. Em 2013, a mesma juíza concedeu o benefício do regime semiaberto para outro criminoso ilustre, o jornalista Antonio Pimenta Neves, que matou a namorada Sandra Gomide.

A primeira medida da magistrada, antes de tomar sua decisão, será pedir novos exames com médicos indicados pela Justiça.

O estado de saúde de Abdelmassih deve ser averiguado com rigor e isenção. Talvez fosse o caso de incluir alguma médica para participar do grupo que fará a avaliação. Na hipótese de conseguir o indulto, ele pode ser internado num hospital penitenciário, num hospital privado ou mesmo cumprir a pena em uma de suas luxuosas residências. E se não houver vigilância permanente da sociedade, as chances disso acontecer são altas.

VICENTE VILARDAGA é jornalista e escritor. Publicou recentemente o livro "A Clínica - A Farsa e os Crimes de Roger Abdelmassih" (Ed. Record)

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