Folha de S. Paulo


MAJOR OLIMPIO

Vícios no julgamento do Carandiru

Passados 24 anos da rebelião do Carandiru, finalmente tivemos uma decisão técnica e jurídica para fazer justiça aos policiais militares do Estado de São Paulo. O Tribunal de Justiça, com acerto, anulou os julgamentos que condenaram 74 PMs. Detectou na resolução do júri vícios insanáveis.

Por isso, causam repugnância as críticas à decisão dos desembargadores Ivan Sartori, Camilo Léllis e Edison Brandão. Os pseudodefensores dos direitos humanos contestam a anulação, mas nunca escreveram uma linha sequer em defesa das vítimas dos criminosos presos no Carandiru. Muito menos se manifestam em defesa dos policiais mortos por bandidos.

Os fatos são claros no caso Carandiru. Os inquéritos elaborados indicam que, após briga de gangues rivais dentro do presídio, houve confronto generalizado entre os presos. A situação tornou-se incontrolável, o que demandou a atuação da Polícia Militar.

A tropa de choque teve autorização para entrar no pavilhão 9. Foi recebida a tiros, pedaços de pau, pedaços de ferro, facas contaminadas com sangue de portadores de Aids, sacos plásticos contendo urina.

Nessa rebelião, 22 policiais ficaram feridos. Foram apreendidos 13 revólveres, 165 estiletes de ferro, 25 pedaços de ferro, uma marreta de ferro, porções de cocaína e maconha. Dos 111 presos que morreram, 30 foram atacados pelos próprios detentos, o que demonstra a gravidade da situação.

Nesse quadro de mortos e feridos, para que se possa denunciar alguém e submetê-lo a processo e julgamento, deve-se individualizar a conduta. Ou seja, determinar quem agiu, contra quem, com que instrumento. É necessário ainda fazer perícia do local do fato, das armas, dos possíveis autores e vítimas.

O laudo realizado, no entanto, não pôde afirmar quais armas atiraram. Não foi possível o confronto balístico do caso.

Percebe-se, portanto, que a condenação dos 74 policiais contém vícios sérios e insanáveis, que violam a Constituição Federal, os tratados internacionais de direitos humanos, os princípios do direito penal e processual penal. As condutas não foram individualizadas.

O processo penal não busca a condenação a qualquer custo, mas sim verificar o fundamento da pretensão punitiva -ou seja, se existem provas e elementos suficientes para justificar uma condenação.

O desembargador Ivan Sartori, relator do processo, afirmou: "Nós julgadores não podemos nos influenciar pela imprensa ou por quem se diz dos direitos humanos". Reconheceu que o promotor do caso burlou a lei ao imputar os homicídios aos membros da Polícia Militar. Fez uma denúncia coletiva, sem individualizar as condutas.

Gostaria de ressaltar, ainda, um fato que vivenciei, mais um indício do absurdo desse julgamento.

Pouco antes de morrer, o coronel Luiz Nakaharada, um dos policiais envolvidos na operação, contou-me, muito angustiado: "Na rebelião, eu fiquei o tempo todo com um megafone nas mãos, tentando persuadir os presos a se renderem. No tribunal, porém, alguns detentos disseram que 'o japonês com cara de general boliviano' é quem atirava".

Como condenar alguém nessas circunstâncias, sem nenhuma prova ou perícia?

O Tribunal de Justiça de São Paulo fez seu papel de resgatar a verdade; deve ser aplaudido por isso.

Há falhas graves no processo; portanto, nada mais acertado do que anulá-lo. Só assim os vícios serão corrigidos e, ao final, os policiais serão absolvidos como medida de justiça.

*SÉRGIO OLIMPIO GOMES * é deputado federal (SD-SP). Foi oficial da Polícia Militar por 29 anos. Disputou a Prefeitura de São Paulo nas eleições deste ano

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