Folha de S. Paulo


Alain Fresnot

Cinema brasileiro, próxima sessão

Depois de 40 anos acompanhando a política cinematográfica, aprendi que a cada mudança de administração os avanços podem ser destruídos por revanchismo ou simples desconhecimento.

A gestão PT/PC d B começou com a desastrada tentativa de criação da Ancinav, cujo objeto último era limitar a impressionante concentração da TV brasileira. Após esse equívoco criou-se a Ancine, reguladora e fomentadora, com a ampla mobilização dos cineastas e sindicatos.

Com a lei nº 12.485/11 instituiu-se espaço qualificado para a produção de TV independente nos canais a cabo. Esse importante aprimoramento devemos ao atual presidente da agência, Manoel Rangel. Os efeitos benéficos na área do emprego, da atividade econômica e na valorização dos assuntos nacionais começam a aparecer solidamente.

Cabe lembrar também da Condecine, taxa aplicada à telefonia. Com ela, a atividade contribui quatro vezes mais com o Tesouro Nacional do que recebe dele.

Dando a César o que é dele, um último acerto da gestão foi fortalecer os players da distribuição nacional. Todavia, esses ganhos vieram acompanhados da manutenção de sutil desautorização do produtor, pois ainda são desequilibradas as condições de negociação com a distribuição e a exibição.

Depois de 13 anos de um modelo de estatismo liberal, se me permitem a criação, o resultado na área do longa-metragem, infelizmente, foi bem tímido.

Constatada a importância da lei nº 12.485/11 na implantação da atividade produtiva para TV, cabe a pergunta: por que o que foi bom para a tela pequena não o seria para a tela grande?

O quadro institucional da atividade também não se alterou devido ao imobilismo dos sindicatos patronais e dos realizadores que se deixaram pautar pela gestão em fim de curso, tanto nos erros como nos acertos.

Por desatenção, não foi possível reverter o inacreditável erro do ex-ministro da Cultura Francisco Weffort (governo FHC), quando este aceitou reduzir os incentivos fiscais para a atividade.

Os apoios à área advindos desse mecanismo estavam crescendo e teriam permitido o fortalecimento da atividade. Com isto, teríamos hoje fontes de recursos e curadorias dramatúrgicas tanto dos distribuidores como dos produtores.

Hoje tudo depende de verbas distribuídas direta ou indiretamente pela Ancine. Seguimos com um market share pífio. Menos de 15% previstos para 2016.

O fato é que construir uma cinematografia nacional é tarefa de Estado, não de governo. Já começam a se ouvir nomes para ocupar a presidência da Ancine. Antes disso, caberia a discussão de metas e programas. Não há motivo, por exemplo, para retirar o da agência o Fundo Setorial do Audiovisual.

Respeitando o caminho percorrido, há um grande espaço para que o novo governo deixe sua marca, desenhando e implantando uma agenda de crescimento e valorização dos filmes brasileiros.

A mudança de gestão deveria ser o momento de o governo Temer e de seu jovem ministro da Cultura, Marcelo Calero, acordarem, com os profissionais, instrumentos fiscais e/ou legais que viabilizem um crescimento efetivo de mercado. O resultado seria benéfico para todos os segmentos.

Com isso será possível alcançar os 30% de participação no mercado ainda nesta década, a exemplo, é triste dizê-lo, do que tínhamos nos anos 70 do século passado.

ALAIN FRESNOT é diretor e produtor dos filmes "Desmundo" (2002), "Família Vende Tudo" (2011) e "Uma Noite Não É Nada", em finalização. Foi presidente da Apaci (Associação Paulista
de Cineastas).

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