Folha de S. Paulo


editorial

O futuro da USP

É mais fácil um camelo passar pelo olho de uma agulha do que um bem-sucedido ex-aluno da USP alcançar a anuência de uma certa classe de professores para ajudar a instituição que o formou.

A glosa vem a propósito das suspeitas que a associação dos docentes (Adusp) tem lançado contra o projeto USP do Futuro, patrocinado pelo reitor Marco Antonio Zago.

Trata-se de consultoria da empresa McKinsey sobre a gestão da universidade que foi paga por um grupo de antigos estudantes por meio da organização Comunitas.

Querendo tanta distância de empresários quanto o demônio da cruz, os críticos se alvoroçam diante do que julgam ser um espectro da privatização da USP —enfrentam fantasmas enquanto a instituição tem problemas bem reais.

A irresponsável política de pessoal da administração anterior levou a folha de pagamento da entidade a comprometer mais de 100% de suas receitas.

Com Zago, medidas como um programa de demissões voluntárias conseguiram reduzir despesas com custeio e investimento de R$ 1 bilhão, em 2013, para R$ 636 milhões no ano seguinte. A principal fonte de recursos da USP está na parcela de 5,03% da arrecadação com ICMS, o que neste ano deve chegar a R$ 4,9 bilhões, segundo o jornal "Valor Econômico".

Zago sustenta que já se superou o pior da crise da USP, mas é fato que a universidade precisa fazer mais que cortar custos. Ela tem de projetar para si um futuro compatível com o próprio orçamento. É evidente que um diagnóstico externo, produzido com apuro empresarial, só poderá ajudar.

A discussão posterior sobre o que fazer não deveria partir de tabus, como o que se levanta contra a cobrança de mensalidades por quem possa pagar. Só 34,6% dos quase 11 mil alunos ingressantes na USP em 2016 fizeram o ensino médio em escolas públicas —os outros dois terços provavelmente não precisariam ter seus estudos financiados pela sociedade.

No momento, de todo modo, soa persecutória a suposição de que a consultoria acoberta esse ou qualquer outro desígnio oculto, apenas por haver empresários envolvidos.

Ainda assim, tal suspeita seria mais rapidamente afastada se a reitoria divulgasse quem são essas aves raras, num país em que tão poucos se preocupam em retribuir o sucesso alcançado após estudar em instituições sustentadas pelo conjunto dos contribuintes.

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