Folha de S. Paulo


Marlene Campos Machado

Para bom entendedor

Os resultados das eleições municipais evidenciam que é chegada a hora de encerrar o longo velório da velha política e de sepultá-la de uma vez por todas.

Mais do que o sucesso de candidatos não tradicionalmente ligados à política - dos quais a vitória de João Doria em São Paulo é o caso mais emblemático-, as urnas trouxeram recado ainda mais claro: os eleitores estão descrentes em relação à importância do voto.

No 1º turno, quase 25 milhões de eleitores deixaram de votar. Praticamente em todas as grandes capitais do país apenas a soma entre brancos e nulos ultrapassou 20% dos votos válidos.

Na cidade de São Paulo, por exemplo, maior colégio eleitoral, os 3.085.187 votos conquistados por Doria, ou 34,72% do total de eleitores paulistanos, foram 11 mil a menos do que a soma dos votos em branco, nulos e das abstenções, que totalizaram 3.096.304 - 34,84% dos eleitores.

Esse quadro do "não voto" está em tendência de crescimento em relação às eleições anteriores: em 2012, eles já alcançavam 31,3% do eleitorado, contra menos de 25% nas três eleições anteriores, em 2000, 2004 e 2008.

Em São Paulo, mais de um a cada cinco eleitores (21,84%) se abstiveram de votar, enquanto que quase um em seis dos que compareceram (16,64%) não votou em ninguém para prefeito.

Todo esse cenário foi confirmado, no segundo turno do último domingo, com a soma de abstenção, brancos e nulos chegando a 32,5% dos 32,9 milhões de eleitores aptos a votar.

No Rio de Janeiro, por exemplo, neste segundo turno, a soma entre abstenções, brancos e nulos conquistou o "segundo lugar" da disputa, logo atrás do prefeito eleito.

Não é difícil de entender o descrédito da classe política como um todo, alimentado pela sucessão de escândalos desde o episódio do mensalão.

Mas a falta de sinergia entre o cidadão e a política também pode ter a ver com a absoluta falta de sensibilidade de alguns de nossos representantes, que preferem ignorar as agruras cotidianas de milhões de brasileiros e medicá-las com os mesmos - e ineficientes - remédios das falsas promessas.

Nesse aspecto, estas eleições, das quais participei como candidata a vice-prefeita, serviram para consolidar convicções que carrego há anos.

Foram essas convicções, aliás, que me trouxeram para a política. Atuando, há mais de 15 anos, em um trabalho social junto às populações mais carentes, nunca me conformei com o descaso do poder público com os dramas cotidianos vividos por milhares de famílias.

Como fechar os olhos para a angústia de uma mãe que precisa trabalhar e não encontra creche para seus filhos? Ou o desespero de alguém que busca um exame para salvar a própria vida e passa meses em uma fila sem fim?

A classe política precisa se reinventar, pois as pessoas estão percebendo que, tão grave quanto a corrupção, são a ineficiência na gestão dos recursos públicos, o desperdício e a falta de comprometimento com as prioridades sociais -fatores que, aliás, explicam a descrença dos brasileiros em relação aos seus governantes.

Esse resultado eleitoral é uma oportunidade para impulsionarmos de vez a ideia de que este é o momento propício para implantarmos boas gestões, que valorizem escolhas técnicas, junto ao olhar sensível e solidário.

Ou seja, a sensibilidade social, que prioriza essencialmente as pessoas para decisões administrativas, e a gestão empreendedora e responsável na aplicação das políticas sociais.

Se construirmos uma nova política com essas ideias, quem sabe daqui a alguns anos poderemos nos orgulhar e não ter que negar a condição de políticos para merecer a confiança dos brasileiros.

MARLENE CAMPOS MACHADO é presidente nacional do PTB Mulher. Foi candidata a vice-prefeita de São Paulo nas eleições de 2016, na chapa de Celso Russomanno

PARTICIPAÇÃO

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